quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Profissão: artista?


iFoto de closeup de obra do fotógrafo Alfredo Cortina na trigésima bienal de São Paulo: sua mulher como personasem recorrente.
iFoto de outro dos prints fotográficos de Alfredo Cortina e sua musa nouvelle-vaguiana.


Como a sociedade em que vivemos e na qual estamos inseridos costuma definir cada um de nós? O que você faz? No que você trabalha? Estas últimas são as top 2 perguntas quando encontramos pessoas na balada, em festas, quando somos introduzidos por amigos num determinado grupo (desconsideremos perguntas como “qual o seu nome” e “quantos anos você tem”).

Mas, afinal, qual é a personalidade, quais são os gostos, os medos, os desejos de alguém que me responde “dentista”? E “engenheiro”?; ou “juíza”? Muito, muito pouco mesmo para se formar uma concepção sobre um indivíduo com bases tão funcionalistas.

Alfredo Cortina foi um dos fundadores da radiodifusão moderna na Venezuela. Sua vida profissional foi dedicada à criação e produção de roteiros e programas para rádio e TV. Na trigésima bienal de São Paulo, porém, fui apresentado a um fotógrafo de nome Alfredo Cortina. O mesmo venezuelano, só que outro.

O conjunto de fotos apresentado na bienal tem como fio condutor o registro de uma única personagem feminina – sempre a mesma, sua esposa, a poeta Elisabeth Schön – inserida em paisagens insólitas e estranhas. Ela raramente mira a câmera – apenas em um cromo. Parece uma estátua fria, uma atriz tirada de um filme de Godard ou do Resnais do “Ano Passado em Marienbad”. Um ser transformado em pedra, em objeto, aparentemente. Numa observação mais demorada, no entanto, essa mulher parece querer se comunicar conosco, humanizar-se. E nessa contradição de objeto e sujeito a personagem feminina de Cortina movimenta-se, mudado de figurino e de cenário, passando por locações bucólicas até terrenos baldios.

A composição fotográfica, o enquadramento, os contrastes, a encenação, são bastante rigorosos. Indicam para esse movimento dialético da inserção da modelo de Cortina em cada uma das distintas paisagens. Um ser perdido no espaço, ou bem confortável olhando ao longe, ou simplesmente desconcertada, tendo sua imagem refletida num espelho d’água.

Conheci nessa bienal o Cortina fotógrafo, e conheci também sua personagem enigmática e poética. Uma personagem que docemente trava uma batalha silenciosa para não ser neutralizada, junto à paisagem à sua volta, pelo olhar que a captura.

Voltando à questão inicial: até que ponto não somos neutralizados – leia-se empobrecidos – na sociedade funcionalista do mundo do trabalho em que estamos imersos, se somos decupados equivocadamente pela profissão que temos, ou pela forma que ganhamos a vida?

Uma paisagem única, uniformizada?
Foto de Alfredo Cortina fotografando sua esposa, presente no catálogo dessa bienal mais recente.

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