segunda-feira, 29 de julho de 2013

à beira do abismo...

Ocupação de Romain Crelier no monastério suíço de Bellelay - 2 grandes "piscinas" de resíduos de óleo industrial como superfície de reflexão das obras e da arquitetura do interior da igreja.
Hoje tive a nítida impressão de que tudo estava em minha cabeça. Que não precisava consultar mais livro algum, referência na internet, que já me bastava o que acumulara em minha cabeça. Foi uma espécie de recusa mesmo - por que voltar a pesquisar sobre algo que já pesquisara? Por insegurança? Postergação? Ou mera preguiça? Preguiça de fazer uso do tanto de coisas guardadas em minha cabeça. 

A sensação de totalidade, de universo, me remete à impressão de grandes imagens refletidas, de um infinito construído na sobreposição, em camadas. O vazio enxergando a forma. E foi então que essas imagens da ocupação feita pelo artista francês Romain Crelier, na igreja-monastério de Bellelay na Suíça, surgiram no meu tumblr. Nessa pesquisa tão despretensiosa de álbum de figurinha, de agenda de menina, de bloquinho de anotação que, pra mim, é a ferramenta mais interessante e gostosa das redes sociais - esse tal de tumblr.

Dois grandes containers em formas amebóides, onduladas, concentram uma grande quantidade de resíduos de óleo industrial usado. Por isso essa camada meio vinílica de espelho d'água pantanoso, brilhante e encerado. Uma substância essencialmente tóxica, artificial, no que isso tem de mais potente e pejorativo, de dejeto. Refletindo a arquitetura interior e os afrescos barrocos de um mosteiro do suíço. Artifício também, coisa de ser humano.

"Colocado no abismo" ou "à beira do abismo" podem ser as traduções do título da instalação de Crelier. Assumo, a partir da visualização das fotos da obre de Crelier, ser auto-explicativo o que seja uma instalação site-specific. É uma boa definição, entre tantas outras, essa aí, da obra de Crelier. Uma visualização que dá a vertigem da totalidade, do abstrato e do figurativo, dentro e fora, claro e escuro, reflexão e absorção. Tudo dentro de nossas cabeças. A obra de Crelier pensada especialmente para esse mosteiro barroco.

(em cartaz até 16 de setembro, em Bellelay, parte francesa do cantão de Berna, Suíça).  

sábado, 27 de julho de 2013

howard hawks, seu renascentista...

Cary Grant e Katherine Hepburn em "Levada da Breca" (1938)
Cary Grant e Jean Arthur em "Paraíso Infernal" (1939)
O Renascimento Italiano surge e cresce como movimento artístico sobretudo pelas novas regras na pintura e escultura que estabelece. Luz, perspectiva, simetria, cálculo geométrico, contraste, realismo, atmosfera, aliados ao retorno de temas da mitologia greco-romana, somados a distintas abordagens da iconografia bíblica. E assim fizeram-se, entre os séculos XV e XVI, obras-primas  em Florença, Roma, Veneza, Milão, Urbino, Ferrara, Cremona, Mantua; grandes obras e obras significativas em larga escala, aos montes, executadas por inúmeros artistas. Porém, mesmo dentro da lógica quase que industrial de encomenda de produção - propulsionada pelo dinheiro farto injetado pelas famílias nobres de cada região da Itália, os grandes mecenas da época -, alguns artistas destacaram-se mais do que outros. Mesmo dentro de uma lógica padronizada, uma lógica de regras estabelecidas e até certo porto rígidas de representação pictórica, houve autores dentro da movida renscentista - Rafael, Leonardo, Ticiano, Michelangelo, Botticeli, Mantegna são alguns deles. Pintores e escultores que grafaram seus trabalhos com assinatura própria, o que significa dizer, uma forma de composição particular, sem, no entanto, fugir às instruções da cartilha, dos cânones então determinados. 
Cary Grant e Rosalind Russell em "Jejum de Amor" (1940)
Humphrey Bogart e Lauren Bacall em "Uma Aventura na Martinica" (1944)
Com roteiro de William Faulkner, Hawks filmou mais uma vez o casal Bogart e Bacall em  "À Beira do Abismo" (1946).
Guardadas as devidas proporções, uma analogia entre a produção artística do Renascimento Italiano e a produção industrial do período clássico do cinema hollywoodiano pode ser feita. Hollywood, em seus primórdios, nascia como a fusão do que é o próprio cinema - arte e entretenimento. O público em primeiro lugar, a lógica da renda da bilheteria, assim como, no Renascimento, a lógica da arte ser igual a poder. O produtor era o equivalente ao nobre mecenas - ele contratava os talentos, diretores, roteiristas, atores, cenógrafos, e decidia o corte final, o que iria para a tela grande das salas de cinema a fim da fazer número em termos de público e de receita. Fundava-se uma lógica narrativa clássica do cinema a ser seguida a depender do gênero - comédia, aventura, suspense, western. O objetivo a ser alcançado era contar uma história, feito uma sinfonia, com início, abertura do arco dramático, tensão, apogeu e desfecho. Os diretores que seguissem essas regras. Como no Renascimento, muitos deles não deixaram seu nome distinto e diferenciado da maioria. Foram diretores de produtores, e ponto. Outros, todavia, lograram satisfazer produtores - leia-se o grande público - e, de bônus ainda, deixaram uma marca própria no modo em como e quais histórias contaram.
"Os Homens Preferem as Loiras" (1953): Marilyn Monroe e Jane Russell.
John Wayne em "Onde Começa o Inferno" (1959)
Howard Hawks foi um entre outros destaques das estampas homogêneas e indistintas do papel de parede representado pela indústria cinematográfica de Hollywood. Além de percorrer quase todos os gêneros numa filmografia extensa, de quase 50 longas-metragens, Hawks não rezou fora da bula do cinema clássico de sua época. Como um mestre renascentista, combinou essas regras à sua maneira, por meio da repetição, do exercício para adquirir o domínio, o aprimoramento da linguagem e da técnica, e assim ganhar autonomia e autoralidade como diretor. Por isso, o cinema de Hawks não é transcendental, metafísico; é um cinema da imanência, da ação, de enredos nos quais os personagens, feito cada um de nós, é obrigado a fazer o mundo girar, a viver de acordo com as contingências e também os próprios desejos. Um cinema de composição e encenação em que nada, nenhum dispositivo técnico ou forma de linguagem, está ali por acaso. Não sobra nem falta pano, não há hipérboles ou metonímias - apenas o essencial. 
Hatari! (1962)
Hawks instruindo Angie Dickinson nas filmagens de "Rio Bravo - Onde Começa o Inferno" (1959),  no catálogo da mostra Howard Hawks integral, até 31 de julho no CCSP.
Em tempo: pergunto-me se às vezes não é mais complicado criar uma autoria, um estilo próprio, dentro do que já está estabelecido, dentro das convenções já estratificadas, do que inventar uma nova linguagem a partir de uma pura negação. Para qualquer quebra ou ruptura com um modelo de fazer tradicional, penso ser essencial, antes de mais nada, conhecê-lo do avesso, de trás pra frente. Só então a ruptura pode ter significado. Porque aí, de maneira dialética, ela é continuidade, síntese. 

Em tempo 2: Os mestres do Renascimento Italiano estão no CCBB-SP até 23 de setembro (ainda comentarei sobre a expo), e a mostra "Howard Hawks Integral", no CCSP até 31 de julho.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

tá na estrada, então segue...

A programação da mostra Brasil tela Para Todos - Perspectivas Contemporâneas nesse próximo domingo, dia 28, no CCBB-SP começa com "Central do Brasil", às 14hs, "Uma Longa Viagem", às 16h30, e "Além da Estrada", às 18h30.
Domingo agora, dia 28, acontece o segundo round da mostra "Brasil Tela Para Todos - Perspectivas Contemporâneas". Uma mostra sobre a qual não canso de falar sobre, de repetir a respeito. Sou suspeito, então não preciso de alibis. Concebi e produzo a mostra junto com a Marilia, minha sócia, e a Mari Cruz, nossa produtora. Temos um nome: convergenciacultural, assim mesmo, em minúsculo, tudo corrido. É uma empreitada relativamente nova como sociedade, mas já bem amadurecida. Não temos chefe agora - pequenas empresas, grandes negócios. Temos sonhos possíveis de serem realizados. Possíveis de crescerem na prática. Assim queira Zeus e Deus e Oxalá. E São Francisco de Assis, padroeiro dos meus filhos felinos.

O "Brasil Tela Para Todos" nasceu de uma vontade do CCBB de São Paulo de dar espaço para o cinema nacional em sua programação audiovisual. O nome tem um quê de bolsa-família, mas defendo-o. Quem tem condições de ir a um cinema hoje em dia? Digo, pagar uma entrada cheia, sem carteirinha de estudante falsificada, mais o estacionamento ou a condução (isso sem contar a pipoca e o "refri")? E em quantas salas de exibição vemos filmes brasileiros? E quais filmes? É um dado real que não há tela para todos. Por isso a vocação da mostra: aproximar o grande público das produções nacionais contemporâneas, mais recentes, a cada mês subdivididas em temas ou gêneros. E como o objetivo é formação de público, temos de sucessos de bilheteria e crítica até filmes menores, que não conseguiram visibilidade suficiente para serem conhecidos. Filmes feitos por jovens realizadores, filmes que tiveram alguma repercussão internacional, filmes que tratam de diferentes aspectos do Brasil e de sua história. 

Para o mês de julho, escolhemos o gênero road-movie como tema da mostra. No próximo domingo serão exibidos "Central do Brasil" (1998), de Walter Salles; "Uma Longa Viagem"(2011), de Lucia Murat, e "Além da Estrada"(2010), de Charly Braun. De "Easy Rider" a "On the Road", passando por "Bye Bye Brasil" ou "Thelma e Louise", os filmes de estrada tornaram-se um gênero em si pelo próprio apelo metafórico que uma viagem tem. Viajar significa buscar uma experiência nova, espairecer, ir atrás de algo, recuperar esse algo e, inconscientemente, estar aberto ao inesperado e imprevisível. Uma viagem nos coloca frente ao dilema entre a dificuldade de mudarmos e o desapego oferecido pela estrada, que sempre deixa algo para trás.

Nos 3 filmes selecionados, há essa procura: por uma outra chance na vida, por um lar, pelas memórias pessoais e da história de um país, pelo frio na barriga do futuro em aberto.

Como os filmes de viagem, o "Brasil Tela Para Todos" não se pretende totalizante, absoluto, unívoco. É uma mostra com o pé na estrada mesmo, aberta para erros e acertos, para a livre recepção do público, para o diálogo com o espectador. É uma perspectiva, uma visada entre tantas, que, como num cenário de viagem, cambiará a cada mês. Seguimos adiante e ficaremos muito contentes se vocês forem subindo nessa boléia. Não tem pressa...

domingo, 21 de julho de 2013

nem tudo já foi dito...





Pego carona no texto de Michel Laub na Folha de São Paulo de sexta passada. "Falácias da Literatura" é o título e, como numa enumeração feito 10 mandamentos, o escritor discorre sobre senso comum e frases feitas que, na visão dele, correspondem a dogmas ou verdades absolutas sobre literatura. 


Um dos ítens a serem desmitificados por Laub é o de que tudo já foi dito. Leia-se que nada mais é original. Complementa-se esse lugar-comum com um outro: todos os modos de dizer já foram utilizados. 

Quem lê livros, vai ao cinema, exposições, vive o mundo real e virtual, tudo isso com certa regularidade, sabe que há uma dialética embutida na realidade em que vivemos - de alguma maneira, podemos fazer conexões com o passado, fatos históricos, ou mesmo relacionar ideias e formas a outros autores e escolas, gêneros. No entanto, há como discernir entre uma obra original, feita com suor e lágrimas, de outra preguiçosa, cópia fácil. E obviamente que há temas novos a serem abordados na medida em que o mundo avança em diferentes frentes, sejam novas linguagens a serem exploradas, novos problemas e questões, sejam novos temas até então desconhecidos, desimportantes.

Ainda na boléia do argumento de Laub, minha intenção é empregar sua desconstrução de pré-conceitos artísticos para falar da "Branca de Neve" (2012) do espanhol - e basco - Pablo Berger. Com vários elementos possivelmente contrários à originalidade e qualidade artística desse filme - vide "O Artista", de Michel Hazanavicius, releitura dos filmes mudos anteriores ao cinema falado, e as demais adaptações hollywoodianas para o conto dos Irmãos Grimm, uma com Julia Roberts e a outra com Charlize Theron, ambas como a rainha-má -, a película de Berger é fortemente original. E não quero ser meramente adjetivo aqui quando o filme é super substantivo. Berger adapta a fábula de Branca de Neve à Sevilha de 1910, tendo como pano de fundo a tauromaquia e a cultura do sul da Espanha. Cultura de grande apuro estético, de iconografia fabular riquíssima, de mistura do drama, melodrama, com a comédia, o flerte com o bizarro. 

"O Artista" retrata uma época relativa ao cinema mudo, retoma esse tema. Já o filme de Berger, não. Ele é, em si, um misto de cartoon com história de horror e cinema. Mais que isso, a história de Branca de Neve é recontextualizada de uma forma em que a menina doce e sofrida se vê às voltas com as fontes mais primitivas contidas nos contos de fadas - a perda dos pais, a herança familiar que restou, a recriação da identidade, a tentativa de fuga de uma sina, um destino pré-concebido. Nesse sentido, a Branca de Neve de Berger é andrógina, farta em seus lábios e olhos grandes, cabelos curtos, toureadora, a sétima anã de um clã de pequeninos saltimbancos que vivem a perambular pelo interior da Espanha. E emprestando como referência o suspense de Hitchcock como o mistério e o absurdo de Buñuel, Berger nos presenteia com um filme que Tim Burton deveria assistir para se reciclar. O anão-príncipe e a princesa-cadáver. Vá ver...

terça-feira, 16 de julho de 2013

a frieza dos dias...

Audrey Tautou e Romain Duris em "A Espuma dos Dias", de Michel Gondry.  Virtuosismo pelo virtuosismo.
"Não dá pra viver só de obras-primas", já costumava dizer um ex-professor meu de cinema. Ele se referia à própria indústria cinematográfica, sobretudo ao cinema dito de arte. Nem o público aguenta tanta consistência e peso, nem os realizadores têm obrigação de ter esse fôlego. 

O pior dos mundos, a meu ver, é tentar se esforçar, fazer bastante barulho, demonstrar toda uma expertise, e morrer bem antes da praia. É como vi "A Espuma dos Dias", mais recente longa do francês Michel Gondry, adaptado da obra do multifacetado Boris Vian. Soa pretensioso. Melhor baixar a bola, e ralar no roteiro, numa maneira atraente de contar a história.

Ok que Gondry seja fascinado pelo surrealismo, que ele tenha esse pendor e saiba bem como aplicá-lo. Mas até então com base em narrativas orgânicas, sem que, no resultado final da receita, algum tempero tenha se sobressaído mais que o outro, o sabor, amargado. Sempre houve uma pertinência, caso de "Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembrança", também um filme sobre uma história de amor que, embora seu caráter onírico e surreal, não perde jamais em lirismo.

O contrário ocorre com "A Espuma dos Dias". É mais direção de arte, animação, efeitos especiais do que roteiro, atuação, história. Transmite o mesmo efeito da espuma, passageiro, efêmero, porém insosso. Mesmo com um elenco de peso - Audrey Tautou, Romain Duris e o ator-humorista Gad Elmaleh -, o longa de Gondry quer ser mais surreal que o "rei" Boris Vian. Não funciona. Um filme de frieza invernal... Winter has already come for Gondry...
 
Cartaz de "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembrança", também dirigido por Michel Gondry. Muito provavelmente o roteiro de Charlie Kaufman seja o grande diferencial desse filme, no qual o surrealismo tão apreciado por Gondry foi utilizado em doses precisas. 

segunda-feira, 15 de julho de 2013

breu em julho...

Capa da edição da Cosanaify de 2007 de "Luz em Agosto"
Retratos de William Faulkner feitos pelo fotógrafo francês Henri Cartier_Bresson
George Zimmerman, 29, hispano-americano, foi absolvido no sábado passado pelo assassinato de Trayvon Martin, 17, afro-americano, em 26 de fevereiro de 2012, em Sanford, estado da Flórida. Uma decisão que abala a opinião pública norte-americana e sua crença numa sociedade igualitária.

Ao mesmo tempo, questiono-me se há surpresa no resultado final do julgamento do caso George Zimmerman. Coincidentemente, estou no final de "Luz em Agosto", terceiro livro de William Faulkner, escrito há mais de 70 anos. Ganhador do Nobel de Literatura, a obra de Faulkner foca no mundo em que o autor cresceu, o Mississipi, o sul sombrio norte-americano, o sul escravocrata, puritano e falso moralista. Um sul que nunca se rendeu à vitória do norte ianque. Um sul que sempre vem à tona quando se trata do inconsciente coletivo do país, quando se trata de reafirmar que o estado das coisas não é afeito a mudanças por aquelas bandas, e que, num certo sentido, é tão rígido e inabalável quanto o que vemos no continente europeu.

O mérito de "Luz em Agosto" é a forma da narrativa. Como Faulkner consegue inter-cambiar os focos narrativos confundindo o leitor. Ou melhor, mostrando ao leitor que não existe verdade, e sim versões. Versões cujo poder é tornarem-se realidade. Como a sina de Joe Christmas, o branco com sangue de negro, símbolo de uma crença muito mais do que um fato verídico, um indivíduo que se crê sem identidade e, por isso, desconfia o tempo todo do outro, da alteridade. Aliás, prática muito comum e frequente na pauta das relações internacionais norte-americanas. Se tens dúvidas sobre ti, acoberte-as desconfiando do Outro.

Eu seria incapaz de fazer uma resenha à altura de uma obra como "Luz em Agosto". Porém, num momento de comoção nacional nos Estados Unidos tendo em vista mais um caso que embaralha mocinho e bandido; preto, branco e latino, "Luz em Agosto" nunca foi tão pertinente e contemporâneo ao mostrar o espelho quebrado em que a sociedade norte-americana se vê refletida. Faz escuro em julho...

conhecer para reconhecer...

Jaime Melo aka Jaloo
Ontem o site de música e rádio online deep beep inaugurou uma nova festa no Centro Cultural São Paulo, chamada sala deep beep. À parte o trabalho admirável de curadoria que o site vem fazendo com músicos e djs de várias tendências e origens, o destaque da noite de ontem foi o dj Jaloo. Como é conhecido Jaime Melo, natural de Castanhal, estado do Pará. 

Autodidata assumido, em meio ao seu Live PA, Jaloo brincou ao afirmar que quem tem internet discada tem acesso ao mundo todo. Um mundo de referências musicais que o dj ouviu, ouviu, ouviu e ouviu. E assim produzir música parece-lhe uma consequência natural desse processo de educação por meio da pesquisa.

Outra fala de Jaloo ao público ontem foi muito apropriada para tempos pós-modernos. O dj não pediu pelo reconhecimento mas sim pelo conhecimento do seu trabalho e, consequentemente, do tecnobrega paraense. Se ele próprio investigou, ouviu e formou suas opiniões sobre música, não importando de que nacionalidade, por que o público em geral não faz o mesmo? Aparentemente ávidos por informação, estamos acostumados ao consumo fácil, superficial. E obedecemos a certas máximas ditas por pseudo-intelectuais de que o tecnobrega é um subproduto da cultura brasileira ou que o hip hop da periferia das grandes cidades é mera aculturação. É muita bobagem. Primeiro, porque o que garante a qualidade e a validade artística de uma obra, uma música, não é sua nacionalidade; essa é uma visão ideológica e fascista. Segundo, porque é muito mais rico e saudável admitirmos que navegamos num mundo repleto de referências que estão ao nosso dispor; o que é necessário - e vai ao encontro da fala de Jaloo - é debruçar-se sobre essas referências e conhecê-las, aprofundar-se nelas, com tempo. 

Na sua apresentação, com direito a bailarinos e coreôs ao estilo brega paraense, o dj Jaloo demonstrou que sabe botar o povo pra dançar, que sabe utilizar os acordes e batidas das festas de aparelhagens de Belém e mesclá-los à música feita por uma Bjork, um The Knife ou uma Grimes. Jaloo demonstra por A + B a aproximação existente entre a vocalização sofisticada sobre batidas simples produzida seja na Europa, na América do Norte, seja no país dentro do nosso país chamado Pará. 

Como vários garotos e garotas no mundo inteiro - e também às pencas aqui no Brasil -, Jaloo faz parte dessa geração nerd-talentosa-internet que produz sons incríveis no quartinho dos fundos de casa. Muitos dessa geração irão longe. 

Fiquem com esse cover muito bom de oblivion...

sexta-feira, 12 de julho de 2013

o espírito do tempo...

Ifotos da expo bauhaus.foto.filme em cartaz no Sesc Pinheiros aqui de São Paulo.
Zeitgeist é uma palavra, um conceito grafado em alemão significando espírito da época ou do tempo. Independentemente das vertentes filosóficas que se apropriam do termo, Zeitgeist, numa interpretação mais pragmática, tem a ver com o espírito de uma época responsável ou influente na criação de movimentos sociais, políticos ou mesmo artísticos. 

A escola de design, fotografia, arquitetura e multi-meios fundada em 1919 por Walter Gropius em Weimar, Alemanha, de nome Bauhaus, veste o conceito de Zeitgeist feito uma luva. Sob a ideologia de uma arte total, acoplada às mudanças tecnológicas e culturais do momento histórico - a predominância da técnica, a mistura de arte e artesanato, a reprodução em massa trazida pela indústria; as novas tecnologias como a fotografia, o cinema; a funcionalidade introduzida como prioridade no design de interiores e na arquitetura -, tudo isso somado demonstra a preocupação da Bauhaus com o seu tempo, com a tentativa de promover uma utopia dentro da chegada inexorável do capitalismo industrial. 
Logo da escola criado em 1919.
A mostra bauhaus.foto.filme, em cartaz no SESC Pinheiros até 4 de agosto, reúne 100 fotos e 12 vídeos produzidos por professores e alunos da Bauhaus durante seu período de existência, entre 1919 e 1933 (para se ter uma ideia da fertilidade da produção fotográfica da escola, o arquivo Bauhaus do Museu do Design de Berlin conta com 40 mil fotografias). São registros os mais variados possíveis: reuniões de alunos e professores em momento de laser, as aulas, estudos de perspectiva e luz, retratos e autorretratos, fotos de projetos arquitetônicos e de design de interiores, mobiliário e utensílios domésticos. Além dos vídeos, as obras mais interessantes a meu ver, porque mostram o dia-a-dia dos experimentos bauhausianos, o modo de vida da época, os conceitos de funcionalidade arquitetônica, o espírito daquele tempo. Uma vida social e cultural efervescente e hiper criativa, a qual, num momento histórico seguinte, sofre um golpe avassalador com a subida ao poder pelos nazistas. 

Zeitgeist permanece, hoje, como a palavra a definir o legado da Bauhaus e a larga influência nos mais variados ramos da arte contemporânea, do design, fotografia e arquitetura. Um espírito de uma época que representou a consciência da forma, a preocupação com a concepção desde os objetos até o estilo e o modo de vida. A Bauhaus nos faz lembrar quão fundamental é o comprometimento com o nosso próprio tempo. 

quinta-feira, 11 de julho de 2013

androginia...

Saskia de Brauw, 32 anos, é hoje uma das queridinhas do mundo da moda. Por "queridinha" entenda-se uma das modelos mais requisitadas para editoriais de moda, campanhas de marcas renomadas, como Givenchy, Versace, Fendi e Saint-Laurent, desfiles no circuito Paris-Milão-Londres-NYC, além de ser capa das principais Vogues e revistas de moda e tendências desde 2011. 

Saskia está de volta a uma carreira que iniciou e abandonou quando tinha parcos 16 anos. Achava que aquela vida não era para ela; queria estudar arte, e então ingressou na Gerrit Rietveld Academie de Amsterdan. Formada e com um trabalho que mescla fotografia, instalação e poesia, de Brauw decidiu retornar à moda, aos 29 anos. Foi rapidamente devorada pela demanda por modelos de jeito andrógino e, ao mesmo tempo, voluptuosas, um momento da moda em que as mulheres feitas estão em alta, em detrimento de ninfetas e new faces

Se a formação em artes visuais serviu de empurrão para esse sucesso todo, não há como saber ou medir. Mas, sem dúvida, a atitude de tomboy em corpo de mulherão, sua postura provocativa e distante diante das câmeras advém de uma consciência e um repertório de moça cultivada, madura. Não à toa ela está com tudo e não está prosa.