sábado, 27 de julho de 2013

howard hawks, seu renascentista...

Cary Grant e Katherine Hepburn em "Levada da Breca" (1938)
Cary Grant e Jean Arthur em "Paraíso Infernal" (1939)
O Renascimento Italiano surge e cresce como movimento artístico sobretudo pelas novas regras na pintura e escultura que estabelece. Luz, perspectiva, simetria, cálculo geométrico, contraste, realismo, atmosfera, aliados ao retorno de temas da mitologia greco-romana, somados a distintas abordagens da iconografia bíblica. E assim fizeram-se, entre os séculos XV e XVI, obras-primas  em Florença, Roma, Veneza, Milão, Urbino, Ferrara, Cremona, Mantua; grandes obras e obras significativas em larga escala, aos montes, executadas por inúmeros artistas. Porém, mesmo dentro da lógica quase que industrial de encomenda de produção - propulsionada pelo dinheiro farto injetado pelas famílias nobres de cada região da Itália, os grandes mecenas da época -, alguns artistas destacaram-se mais do que outros. Mesmo dentro de uma lógica padronizada, uma lógica de regras estabelecidas e até certo porto rígidas de representação pictórica, houve autores dentro da movida renscentista - Rafael, Leonardo, Ticiano, Michelangelo, Botticeli, Mantegna são alguns deles. Pintores e escultores que grafaram seus trabalhos com assinatura própria, o que significa dizer, uma forma de composição particular, sem, no entanto, fugir às instruções da cartilha, dos cânones então determinados. 
Cary Grant e Rosalind Russell em "Jejum de Amor" (1940)
Humphrey Bogart e Lauren Bacall em "Uma Aventura na Martinica" (1944)
Com roteiro de William Faulkner, Hawks filmou mais uma vez o casal Bogart e Bacall em  "À Beira do Abismo" (1946).
Guardadas as devidas proporções, uma analogia entre a produção artística do Renascimento Italiano e a produção industrial do período clássico do cinema hollywoodiano pode ser feita. Hollywood, em seus primórdios, nascia como a fusão do que é o próprio cinema - arte e entretenimento. O público em primeiro lugar, a lógica da renda da bilheteria, assim como, no Renascimento, a lógica da arte ser igual a poder. O produtor era o equivalente ao nobre mecenas - ele contratava os talentos, diretores, roteiristas, atores, cenógrafos, e decidia o corte final, o que iria para a tela grande das salas de cinema a fim da fazer número em termos de público e de receita. Fundava-se uma lógica narrativa clássica do cinema a ser seguida a depender do gênero - comédia, aventura, suspense, western. O objetivo a ser alcançado era contar uma história, feito uma sinfonia, com início, abertura do arco dramático, tensão, apogeu e desfecho. Os diretores que seguissem essas regras. Como no Renascimento, muitos deles não deixaram seu nome distinto e diferenciado da maioria. Foram diretores de produtores, e ponto. Outros, todavia, lograram satisfazer produtores - leia-se o grande público - e, de bônus ainda, deixaram uma marca própria no modo em como e quais histórias contaram.
"Os Homens Preferem as Loiras" (1953): Marilyn Monroe e Jane Russell.
John Wayne em "Onde Começa o Inferno" (1959)
Howard Hawks foi um entre outros destaques das estampas homogêneas e indistintas do papel de parede representado pela indústria cinematográfica de Hollywood. Além de percorrer quase todos os gêneros numa filmografia extensa, de quase 50 longas-metragens, Hawks não rezou fora da bula do cinema clássico de sua época. Como um mestre renascentista, combinou essas regras à sua maneira, por meio da repetição, do exercício para adquirir o domínio, o aprimoramento da linguagem e da técnica, e assim ganhar autonomia e autoralidade como diretor. Por isso, o cinema de Hawks não é transcendental, metafísico; é um cinema da imanência, da ação, de enredos nos quais os personagens, feito cada um de nós, é obrigado a fazer o mundo girar, a viver de acordo com as contingências e também os próprios desejos. Um cinema de composição e encenação em que nada, nenhum dispositivo técnico ou forma de linguagem, está ali por acaso. Não sobra nem falta pano, não há hipérboles ou metonímias - apenas o essencial. 
Hatari! (1962)
Hawks instruindo Angie Dickinson nas filmagens de "Rio Bravo - Onde Começa o Inferno" (1959),  no catálogo da mostra Howard Hawks integral, até 31 de julho no CCSP.
Em tempo: pergunto-me se às vezes não é mais complicado criar uma autoria, um estilo próprio, dentro do que já está estabelecido, dentro das convenções já estratificadas, do que inventar uma nova linguagem a partir de uma pura negação. Para qualquer quebra ou ruptura com um modelo de fazer tradicional, penso ser essencial, antes de mais nada, conhecê-lo do avesso, de trás pra frente. Só então a ruptura pode ter significado. Porque aí, de maneira dialética, ela é continuidade, síntese. 

Em tempo 2: Os mestres do Renascimento Italiano estão no CCBB-SP até 23 de setembro (ainda comentarei sobre a expo), e a mostra "Howard Hawks Integral", no CCSP até 31 de julho.

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