domingo, 31 de março de 2013

circuitos cruzados, circuitos fechados...

"Present Continuous Past(s)", de Dan Graham, 1974, vídeo-instalação em circuito fechado (acervo do Centre Pompidou de Paris).
"Interface", de Peter Campus, 1972, vídeo-instalação em circuito fechado (também do acervo do Pompidou de Paris).
"Going Around the Corner Piece", por Bruce Nauman, 1970, vídeo-instalação em circuito fechado (acervo Centre Pompidou, Paris).
Termina hoje no Museu de Arte Moderna de São Paulo a exposição "Circuitos Cruzados", um diálogo aproximativo entre 6 vídeo-instalações do acervo do Centro Pompidou de Paris - cujo interesse nesse tipo de suporte artístico já vem de algum tempo - e 47 obras da coleção do MAM, não necessariamente apenas vídeo-instalações, mas também outros suportes, como esculturas, gravuras, fotografias. 

Além de um projeto expográfico bem concebido, de fácil trânsito pelos labirintos cenográficos requeridos pela vídeo-instalação, as intersecções pensadas por Paula Alzugaray e Christine Van Assche, as curadoras da mostra, articulam-se de modo fluido, com base em palavras-chave que definem os principais objetos de preocupação da arte conceitual e vídeo-arte contemporâneas - caos urbano, repetição, rotina, vigilância, identidade, auto-imagem, observação, contemplação, atraso espacial e temporal, simulacro, real e imaginário, reprodução.

Destaco, do que vi, as obras seminais de vídeo-instalação dos norte-americanos Bruce Nauman, Peter Campus e Dan Graham, todas concebidas no início dos anos 70, e ainda de grande atualidade e potência.

Em "Going Around the Corner Piece", de 1970, Bruce Nauman coloca, em uma sala com quatro cantos - um cubo fechado - 4 monitores de TV, no chão, nos quais são reproduzidas imagens feitas na sala por câmeras de segurança. A cada virada de canto que o visitante faz, ele se depara com uma imagem sua, só que captada em outro ponto da sala. Um atraso espacial, no qual nos colocamos na posição de observadores de nós mesmos, deslocados do instante da observação. 

Peter Campus trabalha, como o próprio título de sua obra diz, a interface entre imagens captadas ao vivo, por pequenas câmeras de circuito fechado. Imagens que, por meio da projeção do espectador sobre uma tela de vidro, duplicam-se lado a lado, numa jogo de observação mútua: eu me vejo numa imagem primeira, inteira do meu corpo, e vejo também outra imagem de mim observando a minha primeira imagem. Há momentos, de acordo com o movimento do espectador, que essas duas imagens se fundem, confundem-se.

Com "Present Continuous Past(s)", Dan Graham também nos coloca na posição de performers e observadores, com a diferença de que, ao adentrarmos o recinto espelhado de Graham, vemos imediatamente nossa imagem nos espelhos, enquanto uma câmera de vigilância capta essa imagem espelhada e a projeta, 8 segundos depois, num monitor defronte ao espelho principal. Aqui, opera-se um atraso temporal; assistimos a um regresso no tempo, regresso de nosso própria imagem que, enquanto estivermos dentro da sala, será projetada numa sobreposição de presente e passados contínuos. 

O encantamento dessas experiências interativas advém das aberturas de observação e interpretação que elas geram. A imagem que fazemos de nós mesmos é ditada por movimentos egóicos, de projeção no Outro, em padrões de dever ser e parecer. Ao mesmo tempo, nos dias de hoje, somos cada vez mais vigiados e monitorados, sem que tenhamos tal consciência. Desse crash entre se ver e ser visto, com todas as implicações envolvidas, os trabalhos pioneiros de Nauman, Campus e Graham nos possibilitam uma autonomia como sujeitos, postos à frente de todas essas problemáticas. Em circuito fechado, suas vídeo-instalações nos libertam pela reflexão. Em ambos os sentidos.

(alguns registros da vídeo-instalação de Graham em diferentes momentos no tempo, inclusive recentemente aqui no MAM-SP)...

sábado, 30 de março de 2013

esperando bjork...

"Cubo branco" é um termo criado pelo artista e crítico norte-americano Brian O'Doherty para designar espaços expositivos concebidos para que as obras neles instaladas sejam apreciadas supostamente sem nenhuma interferência exterior a elas. Um mundo à parte, uma caixa fora do tempo e do espaço. 

Curioso é pensar que o anexo do atual MAC-USP, antigo prédio do DETRAN, obra de Oscar Niemeyer, havia sido pensado originariamente como uma interação entre natureza e realização humana, luz natural e a rede de pilotis de concreto branco. No entanto, esse local, já ocupado literalmente por uma kafkiana repartição pública brasileira, acabou sendo transformado, de fato, num "cubo branco". Explico: um sistema de ar condicionado e paredes de drywall foram comprados para o espaço do prédio anexo, acabando, assim, com o efeito orgânico pensado por Niemeyer (kafkiana também é a maneira pouco clara em que esse equipamento foi adquirido, uma vez que a ideia original era manter a proposta do arquiteto). De qualquer forma, é impressionante a galeria de exposição montada ao final. Um verdadeiro cubo branco, imponente e arrojado, um dos melhores espaços de exibição vistos recentemente. 

A inauguração do cubo branco do prédio anexo ao MAC-USP, a meu ver, não poderia ter sido mais feliz. Carlito Carvalhosa interveio nesse espaço com a instalação site-specific denominada "Sala de Espera". São dezenas de grandes postes de madeira antigos, anteriormente destinados à rede elétrica da cidade. Dispostos em diagonal e horizontal, cruzando-se entre si, os postes formam uma contraposição à verticalidade e limpeza dos pilotis brancos de Niemeyer. Operou-se como um desvirginar do cubo todo branco, imaculado. Uma irreversibilidade contundente, tornando densa uma atmosfera anteriormente asséptica.

Visitei "Sala de Espera" só, sem nenhum outro indivíduo no recinto. O silêncio amplificou a sensação de profundidade espacial e de deslocamento temporal. Senti-me como num lugar fictício, em que a natureza inóspita, representada pela brutalidade da madeira, conjuga-se à artificialidade do branco monocromático e totalizador. Vieram-me imagens da Islândia, um país que desconheço, mas cuja iconografia me remete aos sentimentos revelados em mim pela obra de Carvalhosa. Naquela sala de espera - espaço transitório e mágico - fiquei esperando Bjork.

PS - fotos e vídeo feitos por mim...


sexta-feira, 29 de março de 2013

ninguém é obrigado a viver...

O casal à beira dos 30 e poucos no filme "O Futuro" (2010), de Miranda July, se vê obrigado a realizar mudanças drásticas em suas vidas porque o tempo urge e o futuro é logo ali. Os sonhos têm de virar realidade, ainda mais quando eles se comprometem com a adoção de um gato de rua, aguardando liberação do veterinário em algumas semanas. Antes da chegada de "Paw Paw" - nesse meio-tempo - tudo tem que mudar na vida do casal. 

Frank (Leo DiCaprio) e April (Kate Winslet) se conhecem numa festa, se apaixonam, e tem muitos sonhos pela frente. Mudam-se para um subúrbio pequeno-burguês em Connecticut, enquanto Frank vai abandonado seus sonhos pessoais por uma vida corporativa e conformada em NYC. Mas April não aceita se conformar, mesmo que isso leve a sua própria destruição. 

Don Draper é o cínico e sedutor protagonista da série "Mad Men". De passado nebuloso, Draper trilha um caminho brilhante e polêmico no mundo da publicidade e propaganda nos EUA do início dos anos 60. O homem com capacidade aparentemente ilimitada para fazer a América fumar, beber, aquele que sabe como mexer com os sonhos e os medos da massa, todos consumidores em potencial. 

A gente é obrigado a ser feliz. Se não aceitamos essa missão, nos desorganizamos, deprimimos, passamos a nos sentir como uma bomba-relógio, que pode explodir a qualquer instante. E, assim, ponto final. O tempo passou e nada aconteceu. A morte chegou. 

A maneira como a cultura contemporânea teve sucesso em associar felicidade e morte é algo surpreendente. Espantoso. Uma violência imposta a nossas mentes, como se não houvesse acaso ou contingência, como se, em vez de necessidade, não tivéssemos vontades, desejos próprios. Como se não dispuséssemos de liberdade, à la Bartleby, o personagem de Melville, de se dizer "não". 

A vida que temos, penso, não tem que ser vivida necessariamente. De alguma forma, cada um à sua maneira, sinto que a equação pode ser invertida em nome de uma liberação, libertação. A morte não estará de pé, nos aguardando ao dobrarmos a esquina, porque assumimos não querer seguir caminhos planejados ou pré-supostos, ou impostos. Reconhecer nossa impotência diante da vida, e autorizarmo-nos a poder não saber o que nos espera é, de fato, viver livremente. Aí, sim, só dessa forma, conseguiremos mudar, abandonar velhos padrões e nos entregarmos às possibilidades desconhecidas do novo. 

PS - Páscoa não vem de Pessach, que significa "passagem", festa da libertação? 

quinta-feira, 28 de março de 2013

estilo animal...

Se tem uma coisa que me deixa sem paciência no mundo das artes visuais é a apropriação de uma ideia alheia, e já bastante trabalhada - inclusive historicamente -, por um determinado "artista" e este apresentá-la a seu público como sendo super original.

A originalidade de uma obra não reside no fato de a referência em que ela se baseia ter de ser nova, ou o seu formato, mas sim em o artista assumir a apropriação e acrescentar a ela a sua própria leitura, sua pesquisa. Mas não me venha posar de criativo na raiz da concepção. Ainda mais quando essa apropriação é praticamente uma cópia do que já foi feito por outros.

Fotos e vídeos com personagens humanos portando máscaras e cabeças de animais - coelhos, lobos, raposas, alces e afins - é uma alegoria bem batida, mas que, vira e mexe, nos deparamos por aí como sendo apresentada feito novidade. 

Sabemos que a iconografia "meio animal, meio homem" tem potência histórica, passando por muitas civilizações e culturas. A fusão do humano e do animal. Sátiros, faunos, centauros, sereias e tritões na mitologia grega. Os deuses egípcios, cada um com uma característica considerada sagrada proveniente da fauna do deserto. A iconografia de horror surgida no romantismo e movimentos com inspiração gótica na cultura ocidental, tipo lobisomens e vampiros. Em comum, a meu ver, é a força extraordinária e, assim, a representação de exceção, de status especial (sagrado ou maldito; heróico ou vilão), que tais seres adquirem pela mistura do "zoo" com o "antropo". 

Na modernidade, houve uma assimilação curiosa dessa iconografia, passando pelo surrealismo até um viés de crítica pastiche à vida pequeno-burguesa da cultura contemporânea. Sem paixões, sem instintos. Uma brincadeira com o desejo domado, mas também com a banalização da violência. 

A série "Zoo Portraits", do catalão Yago Partal, é um trabalho bem-humorado que se apropria desse conceito: trata-se de representações de animais que curtem se vestir com estilo e posar para fotos como modelos. Há uma dose de originalidade na medida em que há um conceito pop de representar as características de cada animal de acordo com seus respectivos looks. Engraçado. Mas nenhuma grande novidade. O que não tem problema, pois claramente Partal não quer estar na vanguarda da arte contemporânea, uma vez que tritura e condensa conceitos pops e acessíveis. 

quarta-feira, 27 de março de 2013

um gif = 7 frames...

Uma impressão fotográfica, um click digital, são registros de um instante. Um frame, uma captação. A somatória de vários frames, postos em movimento, resulta em imagem em ação, cinema.

Para se produzir um gif, um pequeníssimo filme, são necessários 7 frames combinados. E se combinarmos esses frames de forma estática? O movimento ainda assim estará presente? O tempo de uma narrativa, este, sem dúvida que sim. 
"7 frames", por ai weiwei
série de dípticos de lúa ocañas

segunda-feira, 25 de março de 2013

o homem-lobo...


Depois de "O Homem Urso" (2005), de Werner Herzog, documentário sobre a experiência trágica do ativista Timothy Treadwell em sua tentativa insana de salvar os ursos grizzly do Alasca, misturando-se a eles em seu habitat natural, deparo-me com o 'homem-lobo": Werner Freund, um alemão de 79 anos, ex-militar, fundador em 1972 de um santuário de lobos na antiga Alemanha Ocidental.

Freund já cuidou de mais de 70 lobos desde então. Ele costuma pegá-los ainda filhotes em zoológicos ou instituições afins para, então, readaptá-los ao ambiente selvagem. O que inclui comportar-se como um lobo - mais especificamente um "macho alfa - para ganhar-lhes a confiança, sua aceitação e respeito. 

Pra mim, o mais interessante é o processo de aculturação aqui envolvido. Só que às avessas. Lobos de várias espécies, oriundas da Sibéria, do Canadá, Mongólia, após sua extinção em seus ambientes nativos, precisam ser reeducados - no caso, por um indivíduo civilizado, um homem - a se comportar como carnívoros predadores, cuja lógica de alcateia, isto é, de sociabilização dentro de um grupo hierárquico de alfas e betas, precisa ser conduzida artificialmente. O que foi apagado da natureza acaba sendo a ela devolvido com o mesmo teor primitivo, só que pelas mãos, bocas e comportamento do animal humano.  

O que mais atordoa em nossa condição humana é essa mistura de dimensão animal, de instintos violentos e paixões, com a dimensão de cultura, de educação e repressão. Como inserir esse lado animal dentro de uma sociabilidade não-destrutiva? Como desejar sem mutilar? Como se aculturar sem internalizar os excessos repressivos da culpa religiosa? Freund, assim como Treadwell, o personagem do filme de Herzog, optaram pela insanidade do mito do selvagem mas bonzinho. 

domingo, 24 de março de 2013

leah gordon e a etno-fotografia...


Todo ano, Jacmel, uma cidade litorânea no sul do Haiti, celebra o Carnaval. O Carnaval haitiano ainda reflete as tradições étnicas do caldeirão cultural do país. Mistura de festejos medievais, raízes africanas, mitologia voodoo, e sátira política, os monstros do bestiário carnavalesco da ilha caribenha saem às ruas durante os dias de Carnaval para festejar, celebrar, espiar os fantasmas e espíritos ruins e, ao mesmo tempo, exercer a crítica social e política. 

Na série denominada "Kanaval", toda ela em preto e branco, a fotógrafa britânica Leah Gordon documenta a festa popular em Jacmel. Com uma obra focada no foto-jornalismo, na fotografia etnográfica e antropológica, Gordon consegue transmitir, em seus registros, a potência primitiva do Carnaval haitiano, dando a ver a rica iconografia utilizada pela população durante a festa - vide os cornos, chifres, máscaras -, e seu lado sombrio, pesado até. 

Aqui, vem-me à cabeça, uma analogia com a obra do etno-fotógrafo francês, radicado baiano, Pierre Verger. Suas fotos, também em branco e preto, são ícones representativos da cultura afro-religiosa ainda bem viva nessa região do Brasil. Uma cultura onde a violência também ocupa um espaço importante.

Quando fui a Salvador pela primeira vez, tive essa sensação quase que imediatamente. Salvador não é suave. É lustrosa, ruidosa, fedida e cheirosa, colorida, poluída, barroca, negra, mestiça, portuguesa, uma cidade cuja população parece carregar nas costas um fardo, um peso que vem tanto da violência da escravidão, como da violência primitiva da religião iorubá.

A visão de universo e mundo a unir Haiti e Bahia está fincada numa força primitiva sombria, guerreira e metálica, sensual e sexual. Força essa que traz consigo um peso. Peso que se soma à violência da escravidão, violência essa que até hoje vibra nesses lugares. 

Um ato fotográfico talvez seja menos violento do que a ação de pintar sobre uma tela, ou de moldar uma escultura. Mas pode se tornar tão ou mais violento quando, sob um olhar estrangeiro, invade um mundo de personagens próprios e espontâneos, acostumados a uma cultura muitas vezes percebida como bárbara ou tacanha aos olhos do ocidental "civilizado". Esse olhar se choca com o que vê e representa. Admitir esse estranhamento, essa "batida de frente" com o objeto representado transforma-se, por fim, naquilo que confere a ele, como obra de arte, potência e encantamento. As fotos de Leah Gordon atuam, mais do que falam, nessa direção e sentido. 

quarta-feira, 20 de março de 2013

a representação da cidade...


O livro "As cidades Invisíveis", de Italo Calvino, é um ponto de partida para algumas reflexões minhas sobre a representação das cidades como objeto artístico. 

As cidades descritas por Marco Polo ao imperador Kublai Khan funcionam como recriação de um objeto por meio da representação discursiva, de uma recriação fabular. O soberano jamais conhecerá com seus próprios olhos nenhuma delas. Tudo será recriado em sua imaginação pela sedução do relato do viajante veneziano.

Se ele, Marco Polo, dispusesse de uma câmera fotográfica para registrar imagens das cidades para então dá-las a conhecer ao imperador Khan, como isso alteraria, para esse último, a construção imaginária desses sítios? 

Já discutimos aqui nesse blog que a fotografia, embora seja a representação mais aproximada do real, ela não é uma mera cópia da realidade capturada. Há, obviamente, traços da realidade captados numa impressão fotográfica via aparelho tecnológico, mas trata-se de uma perspectiva subjetiva, de um olhar artístico, olhar que se impõe não apenas na forma de captação, mas também pela manipulação do registro fotográfico via processo químico de revelação e ampliação.

Bom, falar em processo químico nos dia de hoje soa anacrônico. Vamos supor de uma vez por todas que Marco Polo estivesse equipado com uma câmera Canon 5D com objetivas de correção de perspectiva, mais softwares de tratamento de imagem como Photoshop CS4 e Capture One 6. Exatamente o aparato fotográfico e tecnológico utilizado pelo fotógrafo Nelson Kon, especializado em fotos de arquitetura e urbanismo.

As fotos de Kon, como as da série "Arte e Cidade" acima - São Paulo como cidade retratada - não deixam de ser um relato de alguém que, por conhecer tão bem uma cidade, constrói uma narrativa com forte potencial imaginário. Uma cidade nem mais nem menos verdadeira do que a real. Até porque qual é a verdadeira cidade? Qual é a São Paulo real? As imagens acima nos permitem fabular uma São Paulo imaginária, embora ligada ao real. Uma São Paulo vista pela composição artística, e por isso, subjetiva, de Kon. Neste caso, a quem cabe o papel de Marco Polo para o imperador-receptor.  

segunda-feira, 18 de março de 2013

as cidades invisíveis...

fotos de Kouichi Aokigi  

"Se meu livro As cidades invisíveis continua sendo para mim aquele em que penso haver dito mais coisas, será talvez porque tenha conseguido concentrar em um único símbolo todas as minhas reflexões, experiências e conjeturas", Italo Calvino, a respeito de sua obra, "As cidades invisíveis", escrito em 1972.

Walter Benjamin escreveu que a melhor maneira de se conhecer uma cidade é perder-se nela. Flanar. Walter Benjamin era barroco, gostava do tempo estendido, não só mero cronos. Por isso também era afeito a andar por aí sem rumo, sem mapa, conhecendo a topografia de uma cidade pelo contato direto, pelo estranhamento, pelo erro.

Italo Calvino, em seu "As cidades invisíveis", foi por um caminho distinto, até oposto, de certa forma. Foi conciso, preciso, fazendo do personagem histórico, Marco Polo, o viajante veneziano, sua Sherazade a contar para o imperador Kublai Khan as maravilhas das cidades que formavam seu imenso império, as quais, porém, ele não podia conhecer pessoalmente por conta de seus encargos de chefe supremo. Cego das belezas contidas em seus domínios, era por meio dos olhos de Marco Polo que Khan tinha acesso imaginário aos cantos e encantos de 55 cidades pelas quais o estrangeiro, seu diplomata, teria passado e conhecido. Todas eram referidas por nomes de mulheres: Cecília, Leônia, Pentesileia - e cada uma delas agrupadas em sub-títulos: as cidades e as trocas, as cidades e o céu, as cidades e os mortos, as cidades delgadas, as cidades e as memórias.

Quando penso numa cidade que não conheço, e ouço o relatos de alguém a respeito, faço logo essa associação com a obra de Calvino. Como se um espaço que não existisse fosse sendo ocupado por uma geografia específica, uma arquitetura, prédios, casas, ruas. Como jogar tinta sobre um "ser invisível". Ele deixa de passar despercebido e adquire formas, graças à intervenção de algum action painter imaginário. No caso das cidades nunca visitadas por Kublai Khan, as formas se configuram por meio das palavras, dos relatos de Marco Polo. Metáforas, referências, analogias, associações são maneiras múltiplas de dar a conhecer essas cidades a quem nunca poderá flanar por elas. Mas que, por outro lado, as conhecerá de maneira única, mágica, pela invenção do olhar daquele que a viu e a experimentou subjetivamente. É um olhar único e múltiplo, ao mesmo tempo. Cada cidade como representação de um universo inteiro. 

domingo, 17 de março de 2013

o centro cultural são paulo...

A terceira mostra do programa de fotografia - edição 2012/2013 - promovida, curada e produzida pelo Centro Cultural São Paulo (CCSP), foi aberta ontem ao público. 

Em meio ao mega movimento de todo final de semana, quando o CCSP recebe centenas de milhares de visitantes, grupos, estudantes, tribos das mais variadas origens e temáticas, os fotógrafos selecionados para essa edição tiveram a oportunidade de apresentar seus trabalhos ao público presente. "Slidetrips", de Vicente de Mello; "Manélud", de Breno Rotatori; "Do Cariri a Oaxaca", de Isaumir Nascimento; "Artista em Viagem", de Yili Rojas, com a participação do coletivo XICRA e de Irving Herrera; e "Faca", de Raquel Uendi.

Nesta edição, em especial, com exceção do conceito já muito desgastado, a meu ver, de desconstrução por si só do objeto fotográfico - proposta da série "Faca", de Raquel Uendi - todos os demais trabalhos me brilharam o olho. Embora muito diversos, as demais séries fotográficas estabelecem um diálogo pois têm, em comum, perspectivas que buscam identificação e intimidade entre histórias familiares, gerações, viagens no tempo e no espaço (pretendo falar mais detidamente sobre cada conjunto de obras dessa exposição). 

Voltei a frequentar o CCSP com mais regularidade agora. Quando fazia graduação na USP, décadas atrás, ia estudar praticamente todos os dias lá. Morava, naquela época, na Aclimação, na vizinhança. Sempre me senti acolhido pelo ambiente do centro cultural, pela amplitude do espaço, pela oportunidade de me deparar com outros indivíduos que, como eu, procuravam preencher seu tempo, mesmo que fosse ficar de bobeira no terraço, acostumando-se à paisagem concreta de São Paulo (eu era um campineiro ainda mais provinciano naqueles tempos). 

Este post é uma homenagem minha ao CCSP, ao espaço democrático que ele representa na cidade; aos grupos e pessoas que acorrem até lá em busca de um ponto de encontro; à vocação de centro cultural dentro dos moldes contemporâneos que ele, de fato, exerce com vigor (essas fotos foram feitas por mim nessas visitas recentes ao CCSP, com o meu celular).