domingo, 3 de março de 2013

ai weiwei, o artista-espetáculo...

Retrato do artista chinês Ai Weiwei, cuja mostra "Interlacing" pode ser vista no MIS de São Paulo até 14 de abril.

Está em cartaz no Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS) a exposição de nome "Interlacing", organizada como retrospectiva cronológica da obra do artista multi-mídia chinês, Ai Weiwei, sobretudo no que diz respeito aos seus trabalhos em fotografia e vídeo (quem for à exibição esperando encontrar os trabalhos mais recentes de Ai, como esculturas e grandes instalações, pode se decepcionar; o que veio ao MIS é, de certa forma, uma exposição didática sobre o artista, calcada na sua trajetória de artista militante).


Nascido em 1957, Ai estudou música e artes visuais na China numa época na qual uma elite ainda mais restrita tinha acesso à cultura e ao estudo formal. Na década de 80, muda-se para Nova York para continuar seus estudos, e começa então a se interessar pela cena artística e social da cidade numa época em que esta passava por muitas mudanças (no térreo do MIS estão as fotos em preto e branco, tiradas de modo analógico - portanto, reveladas e ampliadas - de cenas da noite nova-iorquina; do apartamento de Ai, reduto da intelligentsia dos imigrantes chineses nos EUA; do quotidiano da cidade; de protestos; campanhas políticas. A meu ver, é a parte mais interessante da exibição pois ainda há um certo filtro do artista em escolher as fotos mais representativas de suas experiências vividas, em fazer composições; um apuro estético ligado a uma força da juventude que ainda não se corrompeu ao fenômeno de artista-midiático.

Porque, do primeiro andar em diante, o que vemos é o Ai Weiwei militante e engajado, depois de seu retorno à China na década de 90. A partir de então, Ai  envereda pela multiplicidade de plataformas, além da fotografia, documentários, vídeo e instalações. Ele se torna blogueiro e twitteiro, postando de maneira hemorrágica não apenas fotos mas posts de teor crítico em relação à falta de liberdade de expressão em seu país. Daí, em 2011, a censura sofrida pelo artista a mando do Partido Comunista Chinês. 

É interessante lermos no texto da curadoria a relação feita entre o trabalho de Ai e uma certa influência dos ready-mades de Marcel Duschamps. Não vejo essa conexão. Ai estaria muito mais para uma influência de Joseph Beuys do que para a arte conceitual do francês Duschamps. Afinal, Beuys trabalhava com a militância, com o despertar do senso crítico do espectador, com a defesa de utopias. Entretanto, mesmo em relação a Beuys, Ai apresenta muitas diferenças: seu trabalho é normativo, diferente daquele produzido pelo artista alemão; ele denuncia, e ele se vale dessa denuncia para se incluir como personagem. Ai não filtra imagens captadas. Ele as vomita, sem peneira, para o público

Enxergo essa atitude com certa desconfiança. Pois, mais do que um artista cuja obra se fortalece na comunicação com o espectador, Ai Weiwei é um sintoma dos dias hoje. De certo modo, vítima e presa de seus próprios instrumentos. O excesso de informação, o jorro de imagens, a denúncia das grandes catástrofes e da corrupção política na China. Mas, no meio desse lamaçal todo, onde está sua poética? Sua trajetória dentro de determinadas preocupações no diálogo que todo artista tem entre forma e conteúdo?

Muito provavelmente as respostas são as que encontramos na exposição do MIS: a obra de Ai Weiwei é um tipo de orquestração desse grande espetáculo de banalização de imagens e fatos em que nossa era se transformou. Um sintoma de distopia, não uma busca de utopia. Nem de algum tipo de lirismo ou proposta poética dialética. Soma-se a isso, a aura de artista censurado pelo estado chinês, e temos um personagem digno da "sociedade do espetáculo" na concepção do pensador francês Guy Debord. Pois o que Ai Weiwei pretende denunciar é justo aquilo que dá liga e amalgama sua arte, e, de certa forma, a esvazia espiritualmente, rouba sua alma. 

De qualquer forma, a exposição vale ser vista. Para que treinemos nosso olhar num mundo repleto de artifícios e artificialismos. Para identificarmos, para cada um de nós, onde ficam as fronteiras. 

PS: Fiz questão de não postar mais imagens, porque a obra de Ai Weiwei é calcada no looping de centenas de milhares de imagens. Optei, então, por valorizar o texto escrito, as minhas reflexões (por isso, não deixem de ir ao MIS, para que vocês possam, depois de ver a mostra, opinar, discutir, refutar e, assim, agregar elementos aos pontos de vista aqui expressos).

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