quinta-feira, 14 de março de 2013

os cine-palácios...

De cima para baixo, registros de cine-teatros em Essen (Alemanha), Nuremberg (também Alemanha), Istanbul (Turquia), e Budapeste (Hungria). Fotos de Sylvia Ballhause.
A fotografia, como suporte técnico, possui uma grande funcionalidade como elemento de documentação e catalogação de outras obras de arte feito esculturas, pinturas, conjuntos arquitetônicos e, inclusive, salas de cinema.

Um dos vários projetos da fotógrafa alemã, Sylvia Ballhause, consistia no registro dos grandes palácios do cinema construídos no auge do cinema como principal forma de entretenimento e lazer a partir dos anos 1920, 1930. A própria palavra "cinema", derivada de cinematógrafo, a invenção dos irmãos Lumiere que serviu tanto à captação como à exibição de películas cinematográficas, foi tomada de empréstimo para denominar as salas de exibição construídas luxuosamente ao redor do mundo para abrigar o evento social "sair de casa para assistir a um melodrama, um film-noir, um suspense, um filme de amor, com estrelas do calibre de Betty Davies, Ava Gardner, Joan Crawford, Marlene Dietrich, Humphrey Bogart, Clark Gable, Ingrid Bergmann, Grace Kelly, James Stewart, Rita Hayworth, Judy Garland, Fred Astaire, e a lista continuaria de tão extensa a quantidade de ícones que Hollywood, e mesmo o cinema europeu, acabaram por forjar.

Lembro-me perfeitamente de minha avó Mocita contar que a ida ao cinema demandava um figurino apropriado - vestido habillé, luvas, chapéu; terno para os homens. Era um evento, misto de festa, ver e ser visto, encontrar os amigos, vivenciar uma experiência única - o pacto de verossimilhança firmado entre o espectador e a ficção cinematográfica projetada em tela grande. E, nesse contexto, o conforto das salas de cinema, o apuro na decoração, na iluminação, na qualidade das poltronas, no hall de entrada, nos foyers, tudo isso condizia com a importância, na época, da fruição cinematográfica. Por isso, a denominação cine-teatros, palácios do cinema, cine-palácios.

A dinâmica da indústria cultural cinematográfica, porém, tomou outros rumos a partir dos anos 1960, e, aos poucos, as salas suntuosas deram lugar a salas menores, depois aos complexos cinematográficos - os chamados multiplex, nos quais o que interessa é a rotatividade de clientes que, feito robôs, compram pipoca, refrigerante, assistem ao filme, e vão-se embora. A sala de cinema como ponto de encontro, como ambientação e cenário compatíveis com a magia da sétima arte, essa perdeu sua funcionalidade.

Assim, esses prédios de arquitetura refinada, amplos, foram perdendo seu glamour e razão de ser, ora transformando-se em igrejas evangélicas, em cinemas decadentes de filme pornô, em salões de eventos e, pior, muitos entraram em estado de abandono e deterioração. 

Percorrendo a Alemanha e alguns países do leste Europeu, Escandinávia e Turquia, esse projeto em específico de Sylvia Ballhause chamou-se "Lugar:Cinema", e buscou registrar aqueles cine-palácios que ainda encontravam-se em perfeito estado de conservação, mesmo que não mais funcionassem exclusivamente como salas de cinema. Sempre da perspectiva da sala de projeção - e, de certa forma, do espectador - Ballhause optou pela grande angular a fim de captar não apenas o conjunto arquitetônico dessas salas como também todos os detalhes envolvido no design de suas instalações - lustres, cortinas, papéis de parede, tecidos, poltronas, palco, sancas, colunas. 

Volto a recordar minha avó, que também me contou que as jóias escolhidas para serem usadas para ver um filme eram muito importantes. "Afinal, a competição era acirrada com todas aquelas estrelas que, para nós, eram como modelos de beleza e estilo", dizia ela. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário