quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

cai guo-qiang e a arte em camadas...

Montagem da instalação "Reflection - A Gift from Iwaki", concebida por Cai Guo-Qiang na Fundação Faurschou, em Copenhagen.
A equipe de montagem do artista chinês é composta de moradores da cidade japonesa de Iwaki, de onde o barco de pesca veio.
Parte da obra depois de montada, com os fragmentos de porcelana branca.
A outra parte, com a carcaça do barco enfiada no monte de porcelana.
Um dos artistas contemporâneos mais premiados da atualidade, o chinês Cai Guo-Qiang, pousará no Brasil no dia 5 de fevereiro, simultaneamente, no CCBB de Brasília e na sede dos Correios, uma parceria que possibilitou trazer ao Brasil a exibição "Da Vincis do Povo", uma seleção de gadgets e invenções produzidas por camponeses chineses que demonstra como opera a arte de Cai Guo-Qiang (a exposição virá para o CCBB de São Paulo e, depois, para o CCBB do Rio de Janeiro).

A energia da obra de Cai Guo-Qiang advém, em grande medida, da interação do artista com comunidades ou grupos de indivíduos. Como bem demonstra a exibição solo de Cai que termina hoje em Copenhagen, Dinamarca, na Fundação Faurschou. 

Denominada "A Clan of Boats", essa mostra tem como principal atração a instalação "Reflection - A Gift from Iwaki", uma instalação com uma história de quase 20 anos, quando, entre 1993 e 1994, Cai fez uma residência artística na pequena cidade japonesa de Iwaki e, junto com seus moradores, re-significou e recuperou a história da pequena vila através da escavação de um antigo barco de pesca afundado na praia da cidade. Com a ajuda de seus moradores, Cai transformou os restos desse barco em 2 obras, as quais, em 2004, receberam uma homenagem por seus 10 anos de existência. Essa homenagem era composta de outro barco de pescador proveniente de Iwaki, somado a vestígios de porcelana branca vindos de Quanzhou, a cidade natal do artista na China. Daí nasceu "Reflection - A Gift from Iwaki", instalação que percorreu inúmeros museus pelo mundo, contando sempre com a equipe de voluntários de Iwaki para a montagem da obra - 12 toneladas do barco, mais 9 toneladas de pedaços de porcelana branca. 

A amizade de longa data entre Cai Guo-Qiang e os maradores de Iwaki tornou-se, em si, matéria-prima da instalação. Matéria viva, afetiva e emocional. Mais intensamente ainda quando Iwaki foi duramente atingida pelo tsunami de 2011. Cai doou para a reconstrução da cidade recursos levantados em leilões de suas obras. E assim a proximidade entre o artista e a população de Iwaki estreitou-se ainda mais. É justamente o resultado dessa relação de quase 20 anos que a Fundação Faurschou possibilitou recriar. Outra vez, com mais camadas, mais tempo, e mais amizade. 

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

arte em A4...

O trabalho do dinamarquês Peter Callesen é um exemplo, pra mim, do limite tênue existente entre o grande domínio sobre uma determinada técnica - no caso, o recorte em papel - e a fragilidade proporcionada pelo rigor formal. Há sempre o risco, para o artista habilidoso - no lado oposto ao artista puramente conceitual - de se restringir ao âmbito da forma. Como se o talento, o apuro técnico, pudessem compensar qualquer proposta poética. 

Em suas próprias palavras, Peter Callesen justifica o uso da folha de papel sulfite A4 como uma modo de transformar algo de uso banalizado em nossa época em matéria artística. Ele acrescenta que seus temas buscam jogar com essa fragilidade do papel, explorando suas potencialidades materiais. 

Passando de uma série simples de recortes para quadros emoldurados até chegar a esculturas mais elaboradas, a obra de Peter Callesen desdobra-se e constrói-se por meio da neutralidade branca do papel. Uma limitação que, no caso do artista dinamarquês, transformou-se em potência, força.

as colagens de hollie chastain...

Algo que me encanta na descoberta da obra de um artista é perceber como, pela trajetória de seus próprios trabalhos, esse artista se sente mais em casa, familiarizado, com uma determinada técnica, estilo ou poética. 

Hollie Chastain é uma artista plástica norte-americana que nasceu e mora em Chattanooga, Tennessee. Muito jovem, ela foi tateando por várias técnicas de ilustração e desenho para, enfim, desembocar no tipo de trabalho que a tornou reconhecida - a colagem. Como numa brincadeira de criança, uma vez que a colagem pressupõe o gosto pelos detalhes, pela busca e criação de formas gráficas, pela mistura de materiais, a obra de Chastain tem seu brilho justamente pela delicadeza infantil de seu formato. Como papéis de carta que gostávamos de colecionar. 

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

artesanato e arte...

Ana Teresa Barboza é peruana, e sua arte, também. A relação que a artista estabelece em seus desenhos entre o tema ancestral da animalidade do comportamento humano e a tradição do bordado tipicamente artesanal de seu país tornam forma e conteúdo indissociáveis em sua obra. A arte de bordar, em si, vem do manuseio, da paciência da manipulação, do trabalho manual, assim como as necessidades e o desejo humanos, assim como a dor física, como nosso comportamento animal. Os bordados de Ana Teresa nos vestem ricamente de cores e sensações, e simultaneamente nos despem de cultura e civilidade. 

Theater HORA & Back to Back Theatre - Portrait

Quem tem medo de se expor?

Cena do espetáculo "Disabled Thater", da trupe Theater Hora, dirigido por Jérôme Bell e apresentado na 13o. edição da Documenta de Kassel na Alemanha no ano passado.
Quando perguntei ao curador de artes visuais do CCSP, Márcio Harum, o que ele destacaria na sua experiência de trabalhar na 13o. edição da Documenta de Kassel, mostra de arte contemporânea realizada a cada 5 anos na cidade alemã - que, ao longo de 100 dias, transforma-se no "umbigo" das artes visuais no mundo - ele foi rápido em sua resposta: o espetáculo "Disabled Theater", dirigido pelo coreógrafo francês, Jérôme Bell, com a companhia suíça Theater Hora cujos componentes apresentam algum tipo de deficiência mental.

O grupo, fundado em 1993, em Zurique, trabalha com atores e dançarinos que vão dos 18 aos 51 anos, sete deles com Síndrome de Down - e todos profissionais que recebem salários e possuem uma agenda repleta de tournées internacionais. 

Especificamente em "Disabled Theater", Bell botou em prática seus conceitos de metalinguagem teatral e de dança com a trupe do Hora. Encarregados, cada um dos atores/bailarinos - a desempenhar um papel comandado pela voz do coreógrafo francês, mas com abertura para o improviso, o espetáculo é composto pela percepção de que cada artista tem de sua deficiência. Há momentos de humor, de irreverência, mas também dramáticos, quando um deles, por exemplo, revela que sua mãe achou o espetáculo um circo de aberrações (freak show), apesar de ter gostado; ou num outro momento em que uma jovem se emociona ao se lamentar por ser portadora de Síndrome de Down. 

A parceria de Bell com o Hora é resultado de mais de uma década de pesquisa do francês com o que ele denomina ser "documentários teatrais", isto é, colocar em cena atores e bailarinos que expressem sua subjetividade em relação ao próprio trabalho. "Eu peço aos intérpretes que sejam eles mesmos em cena", diz Bell. 

Mas qual o significado dessa concepção quando estamos falando de um grupo de atores portadores de deficiência mental? Existe abuso? Algum limite foi ultrapassado? Na opinião de Harum, que viu o espetáculo mais de uma vez em Kassel, muito pelo contrário: há uma imensa dignidade na performance da trupe do Hora uma vez que a espontaneidade e liberdade de expressão que a condição de seus integrantes proporciona nos atordoa em nossa pseudo-normalidade, em nosso engessamento comportamental; desvela nossa imensa fragilidade diante do mundo e da vida.

Acredito cada vez mais, pelo exemplo do Hora, que o discurso do "politicamente correto" acaba por prestar muito mais um desserviço à arte, ao afirmar que há limites ultrapassados na exposições dos atores deficientes ou que eles, de alguma forma, estão expostos ao ridículo. Afinal, o que se quer fazer com a arte se se retira dela sua contundência?

Bem que o Theater Hora podia arranjar uma brecha em sua agenda lotada e dar uma passada aqui pelo Brasil... (abaixo, o vídeo "Celebrity", colaboração do Back to Back Theatre com o companhia suíça Hora)... 


domingo, 27 de janeiro de 2013

Ren Hang - poeta da realidade...

Foi graças à minha amiga Andrea Lourenço que tomei conhecimento da obra da poeta e fotógrafa chinesa, Ren Hang. Adentrando seu site, percebemos que há uma classificação de suas séries fotográficas pelo ano em que foram executadas. Me detive nas mais recentes, as fotografias que compõem o álbum de 2013. 

O que mais me fascina na arte chinesa contemporânea é a real necessidade - unida ao desejo do artista, o que é mais forte ainda - de falar sobre o indivíduo, sobre o corpo, a sexualidade, o sexo mesmo. Algo que ficou por muitas décadas esmagado por uma ideologia comunista da coletividade. Um corpo morto, um cadáver, um pinto, uma boceta, é apenas 1. E o que vale é o todo. 

Vivemos também, veladamente, tempos totalitários aqui pras bandas do Ocidente. A indústria cultural busca nos uniformizar, nos tornar iguais a um todo, apartando de nós as diferenças. Ao olhar a obra de Re Hang, percebo que, pelas suas lentes, essa luta pela diferença é explícita, e por isso até impregnada pelo realismo de suas imagens. Não há glamour ou estetização. Mas uma poesia da realidade que cada corpo, cada sexo, cada cabeça, cada indivíduo representa.