terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Quem tem medo de se expor?

Cena do espetáculo "Disabled Thater", da trupe Theater Hora, dirigido por Jérôme Bell e apresentado na 13o. edição da Documenta de Kassel na Alemanha no ano passado.
Quando perguntei ao curador de artes visuais do CCSP, Márcio Harum, o que ele destacaria na sua experiência de trabalhar na 13o. edição da Documenta de Kassel, mostra de arte contemporânea realizada a cada 5 anos na cidade alemã - que, ao longo de 100 dias, transforma-se no "umbigo" das artes visuais no mundo - ele foi rápido em sua resposta: o espetáculo "Disabled Theater", dirigido pelo coreógrafo francês, Jérôme Bell, com a companhia suíça Theater Hora cujos componentes apresentam algum tipo de deficiência mental.

O grupo, fundado em 1993, em Zurique, trabalha com atores e dançarinos que vão dos 18 aos 51 anos, sete deles com Síndrome de Down - e todos profissionais que recebem salários e possuem uma agenda repleta de tournées internacionais. 

Especificamente em "Disabled Theater", Bell botou em prática seus conceitos de metalinguagem teatral e de dança com a trupe do Hora. Encarregados, cada um dos atores/bailarinos - a desempenhar um papel comandado pela voz do coreógrafo francês, mas com abertura para o improviso, o espetáculo é composto pela percepção de que cada artista tem de sua deficiência. Há momentos de humor, de irreverência, mas também dramáticos, quando um deles, por exemplo, revela que sua mãe achou o espetáculo um circo de aberrações (freak show), apesar de ter gostado; ou num outro momento em que uma jovem se emociona ao se lamentar por ser portadora de Síndrome de Down. 

A parceria de Bell com o Hora é resultado de mais de uma década de pesquisa do francês com o que ele denomina ser "documentários teatrais", isto é, colocar em cena atores e bailarinos que expressem sua subjetividade em relação ao próprio trabalho. "Eu peço aos intérpretes que sejam eles mesmos em cena", diz Bell. 

Mas qual o significado dessa concepção quando estamos falando de um grupo de atores portadores de deficiência mental? Existe abuso? Algum limite foi ultrapassado? Na opinião de Harum, que viu o espetáculo mais de uma vez em Kassel, muito pelo contrário: há uma imensa dignidade na performance da trupe do Hora uma vez que a espontaneidade e liberdade de expressão que a condição de seus integrantes proporciona nos atordoa em nossa pseudo-normalidade, em nosso engessamento comportamental; desvela nossa imensa fragilidade diante do mundo e da vida.

Acredito cada vez mais, pelo exemplo do Hora, que o discurso do "politicamente correto" acaba por prestar muito mais um desserviço à arte, ao afirmar que há limites ultrapassados na exposições dos atores deficientes ou que eles, de alguma forma, estão expostos ao ridículo. Afinal, o que se quer fazer com a arte se se retira dela sua contundência?

Bem que o Theater Hora podia arranjar uma brecha em sua agenda lotada e dar uma passada aqui pelo Brasil... (abaixo, o vídeo "Celebrity", colaboração do Back to Back Theatre com o companhia suíça Hora)... 


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