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sexta-feira, 12 de julho de 2013

o espírito do tempo...

Ifotos da expo bauhaus.foto.filme em cartaz no Sesc Pinheiros aqui de São Paulo.
Zeitgeist é uma palavra, um conceito grafado em alemão significando espírito da época ou do tempo. Independentemente das vertentes filosóficas que se apropriam do termo, Zeitgeist, numa interpretação mais pragmática, tem a ver com o espírito de uma época responsável ou influente na criação de movimentos sociais, políticos ou mesmo artísticos. 

A escola de design, fotografia, arquitetura e multi-meios fundada em 1919 por Walter Gropius em Weimar, Alemanha, de nome Bauhaus, veste o conceito de Zeitgeist feito uma luva. Sob a ideologia de uma arte total, acoplada às mudanças tecnológicas e culturais do momento histórico - a predominância da técnica, a mistura de arte e artesanato, a reprodução em massa trazida pela indústria; as novas tecnologias como a fotografia, o cinema; a funcionalidade introduzida como prioridade no design de interiores e na arquitetura -, tudo isso somado demonstra a preocupação da Bauhaus com o seu tempo, com a tentativa de promover uma utopia dentro da chegada inexorável do capitalismo industrial. 
Logo da escola criado em 1919.
A mostra bauhaus.foto.filme, em cartaz no SESC Pinheiros até 4 de agosto, reúne 100 fotos e 12 vídeos produzidos por professores e alunos da Bauhaus durante seu período de existência, entre 1919 e 1933 (para se ter uma ideia da fertilidade da produção fotográfica da escola, o arquivo Bauhaus do Museu do Design de Berlin conta com 40 mil fotografias). São registros os mais variados possíveis: reuniões de alunos e professores em momento de laser, as aulas, estudos de perspectiva e luz, retratos e autorretratos, fotos de projetos arquitetônicos e de design de interiores, mobiliário e utensílios domésticos. Além dos vídeos, as obras mais interessantes a meu ver, porque mostram o dia-a-dia dos experimentos bauhausianos, o modo de vida da época, os conceitos de funcionalidade arquitetônica, o espírito daquele tempo. Uma vida social e cultural efervescente e hiper criativa, a qual, num momento histórico seguinte, sofre um golpe avassalador com a subida ao poder pelos nazistas. 

Zeitgeist permanece, hoje, como a palavra a definir o legado da Bauhaus e a larga influência nos mais variados ramos da arte contemporânea, do design, fotografia e arquitetura. Um espírito de uma época que representou a consciência da forma, a preocupação com a concepção desde os objetos até o estilo e o modo de vida. A Bauhaus nos faz lembrar quão fundamental é o comprometimento com o nosso próprio tempo. 

sábado, 11 de maio de 2013

niemeyer em campinas...

Frente do Edifício Itatiaia, projeto de Oscar Niemeyer, na rua Irmã Serafina, de frente à Praça Carlos Gomes, em Campinas. Da concepção à finalização do edifício, foram 6 anos, de 1954 a 1960.
Minha relação com Campinas, minha cidade natal, é absolutamente ambivalente. Relação de familiaridade e estranhamento, de acolhimento e de exclusão. Campinas é a cidade onde nasci e cresci, onde morei até os 18 anos. Depois veio a mudança para São Paulo, onde me estabeleci e moro até hoje (entremeios, houve temporadas na Alemanha e no Rio de Janeiro, mas São Paulo é minha base, onde criei meus vínculos de amizade, trabalho, meu lar). 

Nesse final de semana vim à Campinas por conta do "dia das mães". A maior parte de minha família continua por aqui. A cada retorno à cidade, sinto, ao mesmo tempo, um misto de nostalgia e indiferença. Tenho a conexão, o laço sentimental com a cidade, porém carrego um certo desapontamento com a desfiguração urbanística, com o desleixo do poder público frente ao patrimônio campineiro. 

Hoje de manhã, saí da casa de minha mãe com a tarefa de resgatar, de alguma forma, uma memória, uma mirada da cidade que me trouxesse sentimentos bons, afetos esquecidos. Logo de cara, deparei-me com a seguinte pixação, "o que não é visto não é lembrado". Nenhuma outra citação poderia caber como uma luva nesse caso. É doloroso andar pela cidade que já foi - e continua - sua, observando tantas construções sem estilo, sem preocupações estéticas, sem respeito ao espaço público. E aqui faço uma extensão ao pixo, o que não é lembrado, desaparece, corre o risco de se descolar da nossa experiência afetiva.

Andando pela Praça Carlos Gomes, no centro, um dos meus lugares preferidos na cidade, um espaço público fundamental na história de Campinas, vi e então me lembrei do edifício Itatiaia. Um entre os poucos projetos de Oscar Niemeyer executados no interior de São Paulo.

Ocupando um terreno escantilhado, na forma de um trapézio, foi construído na mesma época do Copan em São Paulo. Como o terreno não ajudava, as brises em ondulação aparecem na fachada dos fundos, enquanto que a frente do prédio apresenta brises em outro estilo, vazadas e geométricas, porém seguindo um alinhamento reto. 

Em 2010, o Itatiaia foi tombado pelo prefeitura. Na época, a síndica do prédio deu uma entrevista dizendo que os moradores tinham muito orgulho de morar num edifício projetado por Niemeyer. Tanto que eles próprios, antes da ação de tombamento, já haviam efetuado a restauração e reformas necessárias à sua manutenção. A preocupação, a partir daquele momento, era o contrário. Como se a iniciativa da prefeitura viesse para complicar a preservação do Itatiaia, uma vez que os rigores e disparates das leis de patrimônio histórico do Brasil trazem muito mais empecilhos do que incentivos à conservação.

Termino meu tour minimamente satisfeito. Uma satisfação passageira, no entanto. Pois não me sai da cabeça a força dos dizeres da pixação - teoricamente, um ato de vandalismo. Como permanecer na memória aquilo que corre o risco de não mais ser visto? 
A fachada traseira do Itatiaia, na estreita rua Coronel Rodovalho, apresenta, diferentemente da fachada da frente, a ondulação característica de obras semelhantes de Niemeyer como o Copan de São Paulo.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

o sonho do atemporal...


Ouço de alguns amigos que sou mais ligado à arte contemporânea do que à do passado. E, no quesito arquitetura, à arquitetura moderna. Confesso que acabei de postar na fan page do blog o registro de um museu esboçado por Zaha Hadid, cujo trabalho admiro muitíssimo. Meus pés de barro, porém, estão fincados no passado, num certo berço ancestral ao qual me remeto num nível de sonho, de fantasia mesmo. Meus interesses artísticos têm uma arqueologia, indissociável dos gostos contemporâneos. Afinal, quem aprecia geometrias e grafismos não necessariamente vive hoje, no século XXI. Pode ter vivido no século XII, na Etiópia, por exemplo. 

Lalibela é um vilarejo no centro montanhoso desse país. Um local de peregrinação religiosa. Uma sexta-feira é sempre santa para os cristãos ortodoxos, que hoje, sexta-feira, compareceram à Igreja de São Jorge em Lalibela, cavada como uma cruz tridimensional monolítica, em um único pedaço de pedra terra abaixo. Aqueles que já a visitaram, contaram-me que, a cada hora ritual, um senhor enrolado em andrajos brancos, situado à porta de entrada do templo, reza e bate no chão, de modo sincopado, seu cajado de madeira. Os fiéis chegam aos poucos, como bezerros de um rebanho; ajoelham-se, levantam-se e, invariavelmente, beijam o batente da fenda por onde adentram a igreja. O movimento deles, na minha imaginação, também me parece sincopado. 

Nunca estive em Lalibela. Mas é fascinante pensar que um templo tão ancestral, com uma arquitetura tão complexa e, ao mesmo tempo, tão orgânica e contemporânea, esteja vivo e aceso, ainda cenário de uma vida religiosa local, original e espontânea. Parece que o tempo parou por lá. Não porque ficou perdido no passado. Pelo contrário: porque ficou suspenso atemporalmente até o presente.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

a pinacoteca do estado de são paulo...

Fachada da entrada da Pinacoteca do Estado de São Paulo: o projeto de Paulo Mendes da Rocha deslocou para a lateral do prédio o acesso do público ao interior do museu.
Ontem o dia estava nublado, chuvoso até. Fazia frio. E a Pinacoteca estava cheia de gente. Grupos de estudantes que faziam visitas guiadas com os monitores do "educativo"; muitos estrangeiros - visível o aumento do fluxo de estrangeiros não mais apenas a passeio em São Paulo, mas, de fato, instalando-se por aqui -, mais um punhado de gente esparsa que, se fosse feita uma pesquisa, saberíamos que se trata de um público relativamente recente a frequentar espaços culturais e museus como a Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Museu de arte mais antigo da cidade, com uma vasta e consistente coleção de arte brasileira abrangendo, na linha do tempo, desde o século XIX até os dias de hoje, a Pinacoteca ocupa o prédio da ex-sede do Liceu de Artes e Ofícios, projetado pelo escritório do arquiteto Ramos de Azevedo. Na década de 90, esse prédio sofreu uma ampla reforma, um extenso e detalhado projeto de Paulo Mendes da Rocha que modernizou e amplificou todo o espaço, desde a fachada, o acesso do público, até a iluminação e o display interno das salas de exposição, reserva técnica, escritórios, café. 

Mesmo que você não se informe de antemão sobre o que está em exibição na Pinacoteca, visitá-la é um programa cultural per se. Só andar pelo espaço interno, as galerias vazadas, as passarelas, o octógono central, voltado para a arte contemporânea, já vale o deslocamento.

Outro grande destaque é o acervo de pinturas e esculturas, em exibição permanente. O modo de exibição desse acervo - sobretudo as pinturas - é didático e muito bem-sucedido em mostrar os gêneros consolidados da técnica pictórica ao longo da história da arte - natureza-morta, marinhas, retratos e autorretratos, cenas históricas e quotidianas, iconografia regional, mitologia greco-romana e bíblica - e como eles foram apropriados pelos pintores brasileiros. É possível visualizar a variedade e qualidade da pintura brasileira exercitada em cada um desses gêneros, a influência das belas artes européias e, acima de tudo, o desenvolvimento de um vocabulário e sintaxe próprias.  (destaco, aqui, Almeida Júnior, Pedro Alexandrino, Oscar Pereira da Silva e Antonio Parreiras, artistas que viveram e trabalharam na cidade de São Paulo). 

De exposições temporárias, temos a instalação-coleção Fabíola, do belga radicado no México, Francis Alys; uma mostra de 30 obras de Sérgio Sister, incluindo suas séries mais recentes de caixas e ripas-molduras; uma seleção de fotografias do dominicano Natálio Puras penzo, aka Apeco; o artista português Vasco Araújo; e uma perspectiva da produção artística de presos políticos na época da ditadura militar no Brasil, denominada "Insurreições". Muita coisa. Variada, crítica, um caleidoscópio bem selecionado que demonstra a vocação plural da Pinacoteca, e seu compromisso com a formação de público, com a arte contemporânea, o intercâmbio cultural e a contextos críticos do fazer artístico. 

Termino com fotos do acervo de esculturas (sei o que muitos vão dizer, já está mais do que na hora de ter uma máquina decente e parar com essas fotos de celular...).
"Gazela", de Eugênio Pratti (1889-1979), bronze, sem data.
"Autorretrato", de Amadeu Zani, 1869-1944, bronze, 1931.
"Sem Título", torso de Victor Brecheret, 1894-1955, bronze, 1930.
"Dois Nus Femininos Entrelaçados", de João Pedrosa, 1915-2002, bronze,  1940/1989.
"Sem Título", de Amilcar de Castro, 1920-2002, aço bruto, 2000.
"Guanabara", de Alfredo Ceschiatti, 1918-1989, bronze, 1969.
"Atleta em Descanso", de João Batista Ferri, 1896-1978, granito rosa, sem data.
"Prometeu Acorrentado", de Bruno Giorgi, 1905-1993, bronze, sem data.
"Homem Andando", de Ernesto de Fiori, 1884-1945, bronze, cerca de 1945.
"Leda", de Lélio Coluccini, 1907-1983, bronze, 1950.
"Apóstolo São Paulo", de Décio Villares, 1851-1931, bronze, sem data.
"Eva Mulata", de Ottone Zorlini, 1891-1967, pedra serena toscana, sem data.
"Moema", de Rodolfo Bernardelli, 1852-1931, bronze, 1895/1998.
"Sapho", de Leopoldo e Silva, 1879-1948, mármore, c. 1915.
"Primavera", de Raphael Galvez, 1907-1998, gesso, 1939.
"O Brasileiro", de Raphael Galvez, 1907-1998, gesso, 1940.
"O Homem que Anda sobre a Coluna", de Auguste Rodin, 1840-1917, bronze, 1877.

terça-feira, 9 de abril de 2013

arquitetura na cidade de são paulo - o centro da cultura judaica...


Por que ainda continuamos a morar em uma cidade como São Paulo? Quais experiências vibrantes uma cidade inóspita como essa é capaz de nos proporcionar? Morando em Pinheiros há muito tempo, praticamente desde que me instalei na cidade, por conta de uma atmosfera de aconchego e, ao mesmo tempo, de burburinho urbano, me frustra ver, bem na esquina do quarteirão oposto ao meu, que mais um espigão será erguido. Às custas da destruição, sempre crescente por aqui, do que o jargão acadêmico convencionou chamar de arquitetura vernacular. Isto é, toda e qualquer casa ou prédio que tenha sido espontaneamente construído por meio do emprego de materiais e recursos do próprio ambiente em que a edificação tenha sido colocada de pé. As taipas de pau-a-pique dos bandeirantes e tropeiros; as casas geminadas ou de frente, meio e fundos, tradição dos imigrantes portugueses; os solares baianos e pernambucanos; os armazéns do Brás e da zona cerealista; as fachadas italianas do Bixiga; os predinhos de 2 e 3 andares "boteco em baixo-residência em cima". Todos exemplos de arquitetura vernacular.


Em seu lugar, vemos edifícios residenciais medonhos, sem estilo, anódinos; torres de escritório inteiramente padronizadas na linha vidros espelhados, feito cofres blindados; ou, se o bairro é chique, os famosos neoclássicos. Não sei como denominar esse formato de ocupação urbana. Sei que é fruto da especulação imobiliária, do mau gosto do capitalismo desenfreado, e dos conceitos mercantilistas de enfiar gente em cubículos, engaiolada.

A complementar a arquitetura vernacular, numa cidade, temos a arquitetura projetada. Prédios ou casas com finalidades às mais variadas - desde uma residência até um museu, um centro cultural - projetados explicitamente com estilo e proposta estética diferenciados, assinados por escritórios de arquitetura renomados ou por uma associação deles, ou ainda por outra configuração que tenha, como resultado, uma assinatura autoral.

Caso do Centro da Cultura Judaica, inaugurado em 2003, no viaduto Sumaré, com projeto capitaneado por Roberto Loeb. Por se tratar de um terreno assimétrico, estreito e em nível, num lugar com muita luz e muito vento, a solução encontrada para resolver essas questões de funcionalidade casaram-se com as opções estéticas tomadas: de um lado, a representação do pergaminho da torá, texto central do judaísmo; de outro lado, características da arquitetura moderna brasileira e da escola paulista. Duas torres de concreto aparente, dispostas em diagonal, unidas por um grande pergolado de concreto de forma curva, recoberto por placas de vidro fumê em brise-soleil. A ondulação recoberta pelas brises produz a impressão de fluidez do papel - referência à torá -, assim como as brises protegem o ambiente interno do excesso de vento e iluminação natural. Um prédio que sempre me chama o olhar quando passo por perto (daí as fotos).

Aqui, fica meu desejo, mais que protesto, de que a inusitada interação entre arquitetura vernacular, projetada, e gente, toda essa gente que dá vida a São Paulo, mesmo que sofra suas modificações inevitáveis, permaneça em sua força e originalidade.

sábado, 6 de abril de 2013

entre poesia e mercadoria...

Título da curadoria feita por Monica Espinel, uma das escolhidas pelo laboratório curatorial da sp-arte 2013
Impressão fotográfica de Francesca Woodman para "a pele que habito": a consciência e questionamento do nosso próprio corpo, como objeto, como meio, como distorção.
"Livro de areia", de Marilá Dardot: a leitura do fragmento de Heráclito só é legível através de seu reflexo no espelho. Fragmento que aborda a transitoriedade da existência, o eterno retorno, ser e vir a ser.
Objeto da série "Vis-à-vis", de Thiago Honório: espelho, chifre de boi e lentes de aumento, intermediando a relação de ver, se ver e ser visto.
Print fotográfico da série "Portadores", criada por Almudena Lober e Isabel Martinez, na qual anônimos emprestaram seus corpos para tatuagens cujos desenhos conversam com as respectivas partes em que foram inscritos, bem como com ações físicas feitas pelos portadores.
Pela segunda vez consecutiva, a feira internacional de arte de são paulo (sp-arte), edição 2013, promove uma ação institucional-educativa dentro da programação da feira, denominada "laboratório curatorial". 


Trata-se de selecionar projetos de novos curadores que trabalhem, além de conceitos próprios e perspectivas críticas, o diálogo com as obras e artistas representados pelas galerias que participam da feira. Em outros termos, para que a sp-arte não permaneça apenas no terreno dos negócios e dos cifrões - isto é, no campo da mercantilização da arte, puramente - a proposta do laboratório curatorial é abrir e alargar brechas entre a obra de arte como commodity, mercadoria com preço, e ela, obra de arte, como fruto de um ato criativo, de um contexto mais amplo, o campo da poética, da forma, da manifestação artística como irreverência, questionamento e discussão do mundo ao redor. 

Aparentemente pode-se pensar numa certa hipocrisia se consideramos tal iniciativa de modo ingênuo, como que autônoma e destacada do caráter feira comercial da sp-arte. Porém, não é com esse viés que o laboratório curatorial foi concebido. Não estamos num mundo de inocentes. O próprio texto de apresentação, na capa do folder, assume essa posição, a de tensionar um diálogo entre a disseminação crítica da obra de arte e o cenário de compra e venda em que ela também está inserida. 

A teoria do conhecimento apercebeu-se, com o desenrolar histórico das ciências exatas e humanas, de que ao lado de um conhecimento mainstream, isto é, hegemônico, convivem outras formas, teorias de compreensão e entendimento dos mesmos objetos de estudo - na física, na química, nas ciências sociais. É inevitável, no entanto, que alguns aspectos das teorias hegemônicas acabem por envelhecer, deixam de ser válidos na medida que não conseguem mais explicar os fatos a que se propõem dar uma organização causal ou contextualização lógica. E é aí, nesse ponto, em que as teorias marginais, off-road do status de legitimação científica dada por uma elite intelectual e acadêmia, entram em cena. Elas são fagocitadas pelo sistema padrão, conservador, a fim de arejá-lo, refrescar os metodologias de conhecimento e as teorias científicas. 

Processo análogo ocorre no mundo das artes em geral, pois a indústria cultural é voraz por novidades, por carne fresca e temperos exóticos, aparentemente críticos e inóspitos a ela, mas sem os quais não haveria renovação da mesmice.  A destruição criativa imposta pelo capitalismo mata, trucida, masca, come e engole tudo aquilo que puder lhe trazer rejuvenescimento e frescor.

De volta ao laboratório curatorial da sp-arte 2013, seus resultados trouxeram à discussão quatro pesquisas, empreendidas por quatro curadores, as quais não apenas indagam quais são as fronteiras do suporte artístico nos dias de hoje, se eles são passíveis de apropriação mercantilista (como vou vender uma performance?), como também dão a ver aos consumidores e apreciadores como a produção artística, no caso, a contemporânea, nasce num contexto poético, de manisfestações críticas - formais ou engajadas -, de um solo fértil que necessita de um mínimo de liberdade e espontaneidade para que, então, possa vir a ser abatida como presa a ser dependurada na vitrine do açougue.

Dramático esse final, sem dúvida. Porém, a realidade que se impõem exige esse equilíbrio tênue entre curto e longo prazo, entre o já assimilado e o experimentalismo, entre o duradouro e o efêmero, entre a poesia e a mercadoria. Difícil é mantermos esse pêndulo em movimento, esse tecido sempre tensionado, esticado.

PS-todas as fotos captadas pelo meu tele-móvel...

A curadoria de Tomás de Toledo, denominada "o enunciado em questão",  fala da palavra, da literatura e linguagem, como objetos, símbolos e formas apropriadas visualmente pela arte contemporânea (acima, frase de Proust, em print dourado, trazendo um contraste com a extensa obra do clássico escritor francês; por Mateo López).
"High Tension", impressão fotográfica de Anna Maria Maiolino, para a curadoria de Tomás Toledo.
Sandra Gamarra questiona o saber colonizador como algo artificialmente construído, também em "o enunciado em questão".

quarta-feira, 20 de março de 2013

a representação da cidade...


O livro "As cidades Invisíveis", de Italo Calvino, é um ponto de partida para algumas reflexões minhas sobre a representação das cidades como objeto artístico. 

As cidades descritas por Marco Polo ao imperador Kublai Khan funcionam como recriação de um objeto por meio da representação discursiva, de uma recriação fabular. O soberano jamais conhecerá com seus próprios olhos nenhuma delas. Tudo será recriado em sua imaginação pela sedução do relato do viajante veneziano.

Se ele, Marco Polo, dispusesse de uma câmera fotográfica para registrar imagens das cidades para então dá-las a conhecer ao imperador Khan, como isso alteraria, para esse último, a construção imaginária desses sítios? 

Já discutimos aqui nesse blog que a fotografia, embora seja a representação mais aproximada do real, ela não é uma mera cópia da realidade capturada. Há, obviamente, traços da realidade captados numa impressão fotográfica via aparelho tecnológico, mas trata-se de uma perspectiva subjetiva, de um olhar artístico, olhar que se impõe não apenas na forma de captação, mas também pela manipulação do registro fotográfico via processo químico de revelação e ampliação.

Bom, falar em processo químico nos dia de hoje soa anacrônico. Vamos supor de uma vez por todas que Marco Polo estivesse equipado com uma câmera Canon 5D com objetivas de correção de perspectiva, mais softwares de tratamento de imagem como Photoshop CS4 e Capture One 6. Exatamente o aparato fotográfico e tecnológico utilizado pelo fotógrafo Nelson Kon, especializado em fotos de arquitetura e urbanismo.

As fotos de Kon, como as da série "Arte e Cidade" acima - São Paulo como cidade retratada - não deixam de ser um relato de alguém que, por conhecer tão bem uma cidade, constrói uma narrativa com forte potencial imaginário. Uma cidade nem mais nem menos verdadeira do que a real. Até porque qual é a verdadeira cidade? Qual é a São Paulo real? As imagens acima nos permitem fabular uma São Paulo imaginária, embora ligada ao real. Uma São Paulo vista pela composição artística, e por isso, subjetiva, de Kon. Neste caso, a quem cabe o papel de Marco Polo para o imperador-receptor.