sexta-feira, 3 de maio de 2013

o sonho do atemporal...


Ouço de alguns amigos que sou mais ligado à arte contemporânea do que à do passado. E, no quesito arquitetura, à arquitetura moderna. Confesso que acabei de postar na fan page do blog o registro de um museu esboçado por Zaha Hadid, cujo trabalho admiro muitíssimo. Meus pés de barro, porém, estão fincados no passado, num certo berço ancestral ao qual me remeto num nível de sonho, de fantasia mesmo. Meus interesses artísticos têm uma arqueologia, indissociável dos gostos contemporâneos. Afinal, quem aprecia geometrias e grafismos não necessariamente vive hoje, no século XXI. Pode ter vivido no século XII, na Etiópia, por exemplo. 

Lalibela é um vilarejo no centro montanhoso desse país. Um local de peregrinação religiosa. Uma sexta-feira é sempre santa para os cristãos ortodoxos, que hoje, sexta-feira, compareceram à Igreja de São Jorge em Lalibela, cavada como uma cruz tridimensional monolítica, em um único pedaço de pedra terra abaixo. Aqueles que já a visitaram, contaram-me que, a cada hora ritual, um senhor enrolado em andrajos brancos, situado à porta de entrada do templo, reza e bate no chão, de modo sincopado, seu cajado de madeira. Os fiéis chegam aos poucos, como bezerros de um rebanho; ajoelham-se, levantam-se e, invariavelmente, beijam o batente da fenda por onde adentram a igreja. O movimento deles, na minha imaginação, também me parece sincopado. 

Nunca estive em Lalibela. Mas é fascinante pensar que um templo tão ancestral, com uma arquitetura tão complexa e, ao mesmo tempo, tão orgânica e contemporânea, esteja vivo e aceso, ainda cenário de uma vida religiosa local, original e espontânea. Parece que o tempo parou por lá. Não porque ficou perdido no passado. Pelo contrário: porque ficou suspenso atemporalmente até o presente.

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