segunda-feira, 27 de maio de 2013

cinema e política...

A Palma de Ouro de Melhor Filme foi concedida ao diretor Abdellatife Kerchiche e também às atrizes Léa Seydoux e Adele Exarchopoulos, por "A Vida de Adele", adaptação livre da HQ "Blue is the Warmest Colour".
Saíram os premiados do Festival de Cannes de 2013. A cerimônia de encerramento foi ontem. Como de costume, houve uma diluição dos prêmios entre os concorrentes mais cotados, uma espécie de acordo de damas e cavalheiros entre os membros do júri, uma vez que o consenso é algo muito improvável de se atingir quando há uma seleção competitiva de longas os mais distintos em termos de origem, gêneros e poéticas. 


Os vencedores - isso mesmo, no plural - foram o diretor tunisiano radicado francês Abdellatife Kerchiche mais as duas atrizes protagonistas de seu filme, Adele Exarchopoulos e Léa Seydoux. Baseado na história em quadrinhos de nome "Blue is the Warmest Colour", "La Vie D'Adele" é um filme de quase 3 horas, sobre os ritos de passagem de duas garotas de meios distintos, em Lille, norte da França - Adele, da classe média-baixa - e Emma - de um ambiente rico e intelectualizado. Ambas têm vocações muito fortes - ensinar (Adele) e pintar (Emma). Ambas descobrem a sexualidade e o amor juntas, numa história que, de acordo com os críticos e jornalistas que cobriram o festival, não tira sua força da originalidade do tema, mas sim da forma intimista e realista pela qual ela é abordada. Aqui, a atuação das duas atrizes foi considerada fundamental, assim como o naturalismo do olhar de Kerchiche (em 2007, o mesmo diretor foi premiado com o Leão de Ouro em Veneza por "O Segredo do Grão").

Claramente havia filmes com chances semelhantes a "A Vida de Adele" de levar a "Palma de Ouro". Pouco importa; alguém tem que sair ganhando nesses casos. E, pelo que li, não se perpetrou nenhuma injustiça. O que mais me chamou a atenção foi o julgamento que muitos jornalistas, sobretudo europeus, fizeram de Steven Spielberg como presidente do júri da edição do festival nesse ano. Como se fosse um diretor norte-americano "bitolado", de uma única vertente, realizador de blockbusters de grande sucesso de bilheteria. Sempre bom lembrar que Spielberg faz parte da primeira geração de cineastas e produtores de Hollywood formados em cinema, na década de 70 - assim como ele, Martin Scorsese e Francis Ford Coppola. Num momento em que Hollywood precisava de sangue novo e histórias com temas até então já esquecidos ou negligenciadas pela indústria. Aquela geração foi a responsável por introduzir sexo, drogas, política, terror, e rock'n'roll ao cinema mainstream norte-americano.

E tem outra: Spielberg sabe a diferença entre o Oscar e Cannes. Assim como sabe que um filme, mesmo tendo o seu nicho de público, deve apresentar critérios mínimos de coerência interna de narrativa, fotografia, atuação. Ele é um profissional do cinema tanto quanto Kerchiche o é. Sobe ainda mais no meu conceito por ter contribuído para a escolha de um filme que fala de amor, de vocação profissional, de sexo, da condição homossexual e da condição feminina, sem que nada disso seja tratado em separado como bandeira política. Pois se a arte - mesmo que seja a indústria cinematográfica - não se mesclar à política sem abandonar a poética, não ousar junção de forma e conteúdo, não provocar alguma reação no público, então pra quê? 

(em tempo: numa entrevista dada ao "the upcoming", Kerchiche, questionado pelas longas cenas de sexo explícito do casal protagonista, responde: "não há revolução completa se não há revolução sexual"...).
O júri do Festival de Cannes 2013, presidido por Steven Spileberg.
E, aleatoriamente, uma atriz e diretora do coração - do meu - Asia Argento, que entregou o prêmio de melhor roteiro. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário