sábado, 18 de maio de 2013

o domínio dos diálogos...

Cartaz de "Dazed and Confused" (1993), filme de Richard Linklater e um dos favoritos de Quentin Tarantino.
Cenas do filme "Dazed and Confused" (1993): éramos todos tão jovens... conseguem reconhecer todos os atores? Prestem atenção no Ben Affleck... novo, novo...
A retrospectiva dos filmes de Quentin Tarantino no CCBB de São Paulo em fevereiro deste ano resultou num livro, misto de reunião de críticas e de catalogação da obra, chamado "Mondo Tarantino" (essa mesma mostra aconteceu nos outros CCBB do país). Nas partes finais do livro, há uma lista de filmes mencionados por Tarantino como suas principais influências. Entre eles, "Dazed and Confused" (1993), de Richard Linklater, considerado por Tarantino o maior "filme de rolê" (hangout movie) já feito (americanos amam listas - e nós pegamos muito dessa mania; "Dazed and Confused" está em várias listas de melhores filmes de high school, mais importantes filmes cults ever, e por aí vai). 

Meu primeiro contato com a obra de Linklater foi em 1995, com "Antes do Amanhecer", pelo qual o diretor recebeu o Urso de Prata de melhor direção no Festival de Berlim daquele ano. 9 anos depois, Linklater filmou "Antes do Anoitecer" (2004), continuação do filme de 1995, retratando exatamente os 9 anos de separação do casal protagonista do filme original - vividos por Ethan Hawke e Julie Delpy - que se encontraram, pela primeira vez, no trem em Viena, e se reencontram quase uma década depois em Paris. 

Perdi a conta de quantas vezes vi e revi o amanhecer e o anoitecer. Os diálogos são tão bem construídos, tão ricos e cheios de nuances que assistir a partes separadas já dá pano pra manga; podemos dali tirar inúmeros elementos aproximativos da experiência e do repertório daqueles dois jovens e transferi-los para nossas vidas. É cativante. 

"Dazed and Confused" retrata uma porção de personagens (todos eles representados por atores jovens à época, mas que, algum tempo depois, estouraram na carreira, como Ben Affleck, Milla Jovovich, Matthew McConaughey, Parker Posey, Jason London). Em comum com os trabalhos posteriores de Linklater, o plot centrado num período curto e definido de tempo; no caso, o dia 28 de maio de 1976, fim das aulas e início das férias de verão numa high school de Austin, Texas. Os veteranos se formam - e devem decidir o que fazer da vida - e os novatos preparam-se para ingressar no "colegial". Vários ritos de passagem idiotas, espécies de trotes bem americanos (e imbecis) são aplicados pelos veteranos nos calouros. Os meninos são perseguidos para levarem uma sova de taco de cricket na bunda (paddle), enquanto as meninas têm que se humilhar diante das seniors, usando chupetas, deitando no chão e deixando-se lambuzar por ovos, farinha, ketchup. Além de serem forçadas a fazer pedidos de casamento aos jovens veteranos. 

Ao longo dos pequenos atos de violência iniciática, os jovens vão interagindo, se conhecendo, trocando suas expectativas sobre o futuro, seus medos; veteranos se reconhecem nos "bichos", e o que todos querem, ao final daquele dia, é terem uma boa balada, uma noitada inesquecível - beber muito, fumar maconha, beijar, enfim, just some big fun.

O que provavelmente encantou Tarantino no filme foram elementos que ele próprio se apropria e insere em seus filmes da cultura americana pop - primeiro, a trilha sonora, essencial nas obras do realizador (no caso de "Dazed and Confused", nome tirado de uma canção regravada pelo Led Zeppelin, e uma trilha toda anos 70 com a nata do rock da época - Deep Purple, ZZ Top, Nazareth, KISS, Black Sabbath, Foghat, Alice Cooper, Aerosmith, Ted Nugent). Segundo, a cultura americana dos anos 70; e, terceiro, a antropologia característica da cultura norte-americana, um país com frescor, porém muito violento, tacanho em seus rituais de passagem da adolescência, conservador e, ao mesmo tempo, gerador de uma grande força transgressora. 

No caso específico de Linklater, o que mais me encanta é a maneira como ele constrói os diálogos. Não há truques ou maneirismos. A impressão causada é a de que há um grande esmero na construção de sequências com ritmo e diálogos afiados, criando conflitos logo desmanchados, criando pequenas grandes reflexões, historietas de amor, um encadeamento que cresce e toma corpo até chegarmos ao final mais dazed do que confused, encantados com as características de cada personagem, para o bem ou para o mal. Sabendo das idiossincrasias de casa um. E o que aquele momento - e nunca o futuro - exatamente aquele momento de fim de ciclo, de pura diversão - significou e foi aproveitado por cada um daqueles jovens. 

Não sei como ranquear "Dazed and Confused", como o protagonista de "Alta Fidelidade", interpretado por John Cusack, costumava fazer. O que posso afirmar é que esse filme, mais o duo antes do amanhecer e anoitecer, ocupam um cômodo afetivo em mim. São filmes que deixam lembranças, a qualquer momento passíveis de serem revividas, incluindo um sorriso de afeto ou uma lágrima de saudade. 

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