quinta-feira, 16 de maio de 2013

a sustentável precariedade do ser...

Olímpico (José Dumont) e Macabéa (Marcélia Cartaxo), na adaptação para o cinema, por Suzana Amaral, de "A Hora da Estrela" de Clarice Lispector. O livro foi publicado em 1977, mesmo ano da morte de Clarice. O filme foi produzido em 1995.
Capa da minha edição do livro, editado pela Francisco Alves.
Anteontem, saindo de casa de manhã, Orlando, o zelador, me chamou e perguntou, Seo Marcos, o senhor tem um livro chamado "A Hora da Estrela". Tenho, Orlando, por quê? Você quer ler o livro? Não, Seo Marcos, é meu filho que tem que ler pra escola. Bom, vou procurar onde ele está e te empresto. Obrigado, Seo Marcos. 

Na minha época de ensino fundamental/médio, a lista de livros de literatura obrigatórios era bem mais careta e antiquada (obviamente que Machado de Assis não se enquadra nessas categorias). Fiquei imaginando como aquele menino, de uns 13, 14 anos, na escola pública, iria receber o conteúdo e o estilo característico da literatura de Clarice. Porque, por mais que se façam referências e citações inesgotáveis sobre ela, quantos de nós, de fato, enfrentaram a leitura de sua obra?

Do meu ponto de vista, acho bem bacana o ensino de literatura brasileira/portuguesa estar antenado com a produção mais moderna e contemporânea. E mais: penso que subestimamos o leitor quando julgamos a obra de Clarice inacessível, hermética. Por qualquer prisma que se veja, é fato de que se trata de uma obra extremamente relevante. Mesmo que intimista, metafísica, metalinguística, reflexo da complexidade do caráter da autora. 

Pra quem ainda não leu a biografia de Benjamin Moser "Clarice,", aconselho a leitura. Muito elucidativa a respeito de sua origem judaica, da história sofrida de seus pais, de quem foi Clarice Lispector quando criança, jovem, jornalista, esposa, mãe, amiga. Sem dúvida, uma mulher densa, que carregava um peso da existência, da qual ela não era mera personagem. Por mais que fosse duro e precário existir, estar na vida, ela nada podia contra isso. Só lhe restava ser ela mesma. Grande e difícil lição de se aprender. 

Quem assistiu à antológica única entrevista televisionada de Clarice ao jornalista Julio Lerner na TV Cultura, em 1977, ano do lançamento de "A Hora da Estrela", e também de sua morte, lembra-se da frágil figura da escritora. Trêmula, cigarro em punho, ela faz menção ao término recente de um livro, "a história de uma moça, tão pobre que só comia cachorro-quente...mas a história não é isso, é sobre uma inocência pisada, de uma miséria anônima" (palavras da própria Clarice na entrevista). 

Hoje cedo saí de casa com o meu exemplar de "A Hora da Estrela", a fim de emprestá-lo para o filho do Orlando. Ao acenar com o livro para ele, logo me disse, ah, Seo Marcos, que pena, já encomendei o livro. Voltei pra casa algum tempo depois. Tirei o livro da mochila e abri-o na última página: Macabéa morta, atropelada por um Mercedez após sair da consulta com a cartomante. 

Há um narrador ao longo da história. Seu nome é Rodrigo S. M., espécie de alter-ego de Clarice, um escritor que não só conta a história trágica de Macabéa como reflete sobre o processo criativo da escrita. Suas palavras terminam o livro, feito Clarice, perplexo com o final sem sentido da vida de sua protagonista: 

"E agora - agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas - mas eu também?! 
Não me esquecer que por enquanto é tempo de morangos.
Sim."
Retrato da escritora quando jovem.

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