quarta-feira, 8 de maio de 2013

livros de amigos...

Em latim "alba amicorum". Tradução: álbum ou livro de amigo, uma tradição surgida na Holanda do século XVI no meio universitário, na qual professores, alunos, nobres e artistas compartilhavam textos, poemas, escritos esparsos, desenhos, mensagens numa espécie de diário coletivo.
Cada membro de uma congregação, associação ou universidade tinha seu próprio álbum, com capas luxuosas, no qual escreviam ou desenhavam aqueles com os quais se queria mostrar ou reafirmar uma conexão de amizade, uma filiação, um laço. O objeto livro, aqui, era único não apenas pelo seu conteúdo "customizado", mas também pelo que ele representava em termos de status social.
Um álbum de amigo com desenhos de brasões da nobreza ou escritos de acadêmicos demonstrava que seu proprietário ocupava um ranking elevado na escala social da época, símbolo do meio pelo qual circulava e da qualidade de suas relações pessoais.

Agendas, diários, cadernetas de anotações e esboços, livros de artistas, todos são, em maior ou menor grau, versões atualizadas dos álbuns de amigos. Versões mais empobrecidas, na medida em que o objeto em si perdeu sua aura anterior de sentimento de pertencimento a um determinado estrato social, intelectualizado e nobre. Esse objeto adquiriu um caráter privativo, de interesse prioritário para o autor, que nele deposita confissões e pensamentos íntimos. E, nesse sentido, o álbum de amigo da modernidade deixou de ser uma obra para o olhar do outro ou, mais ainda, de ser coletivamente concebido junto com parceiros e colegas de interesse artístico, intelectual ou de casta. 
Os álbuns de amigos são apenas um de vários exemplos de como o suporte "livro" era visto como obra de arte, além do romance ou do livro acadêmico ou de registro científico. Era um híbrido, e justamente essa hibridez é que o torna tão contemporâneo, multi-meios, transversal nas formas e poéticas possíveis de nele serem condensadas. Faço referência, aqui, a um exemplo entre tantos outros espalhados pela produção artística contemporânea. Um exemplo de "alba amicorum" - e é esse mesmo o nome da obra -, criado pela artista norte-americana Sheryl Oppenheim em 2012. Com 80 páginas e dimensões semelhantes a um livro de leitura padrão, Oppenheim valeu-se da marmorização e de tinta spray para criar um livro essencialmente decorativo, contrastando técnicas distintas a fim de mesclar o artesanal, os elementos gráficos e o pictórico. Uma referência longínqua aos livros de amigos originais. Sobretudo, uma referência ao livro como objeto de arte per se.

Nenhum comentário:

Postar um comentário