sábado, 25 de maio de 2013

a pintura afetiva...

Autorretrato com pintura da série "Escócia", fotografada por Roo Lewis em 2013.
A morte da minha avó materna, há 12 anos, acelerou um processo, já iniciado anteriormente, quando ela não podia mais morar sozinha, de divisão dos objetos que também habitaram, pelo mesmo período, a casa em que ela vivera por mais de 5 décadas. Móveis, tapetes, lustres, espelhos, quadros, esculturas, porcelana, fotografias - muitas fotografias -, uma coleção de coisas herdadas e adquiridas por ela e meu avô. 

Eu adorava aquela casa. Absolutamente tudo nela. O jardim era imenso. Um alpendre também espaçoso, onde costumávamos passar as tardes, quando eu ouvia as conversas de minha avó e suas irmãs, suas cunhadas, minhas tias, mãe, meus primos e primas. E a casa em si, tudo o que pertencia a ela; parecia que tudo havia sido milimetricamente planejado para ocupar aquele espaço. 

Apesar da notória prevalência feminina, o mundo dos objetos dizia mais sobre o meu avô do que sobre ela; afinal, havia sido ele o colecionador da maioria do que ali esteve, quem projetara e construíra a casa, quem, durante viagens, trouxera debaixo dos braços bustos de mármore, espelhos venezianos, pinturas feitas a seu pedido de pescadores do sul da Itália (lembro-me perfeitamente dessas pinturas; costumava explorar o interior daquela casa como que maravilhado, à espera de uma nova surpresa, como quando descobri, no verso do quadro dos pescadores, uma foto puída, em preto e branco, feita por meu avô no momento do registro). 

Havia também um quadro enorme, muito curioso, encimando o sofá maior da sala de estar. Ele tinha medidas de quadro de museu, era bem grande, com molduras rebuscadas. Por muito tempo me perguntei por que justamente aquela tela ocupava tamanho destaque. Era uma pintura sombria. Retratava uma cena doméstica inusitada. Uma moça, em cima de um banquinho, com gestos de assustada, e outra, no canto esquerdo, agachada, vassoura em punho tentando caçar o que deveria ser um rato, o motivo do pavor da moça em primeiro plano (confesso que descrevo o que me lembro, o que se fixou na minha memória; outros detalhes ou figuras do quadro me escapam). 

As pinturas do que não existe mais da casa dos meus avós espalharam-se pelos descendentes. Vez ou outra me deparo com um deles na casa de meu irmão, de uma prima. Já não pertencem mais a um mundo conhecido, familiar; estão em outro contexto, pelo menos para os meus olhos (aqui não vai nenhum juízo de valor negativo). Apenas não sinto mais por eles o mesmo afeto que tinha quando todos encontravam-se reunidos no espaço afetivo de casa de avó. Porque o que me fazia achar beleza neles era isso, o caráter de pertencer àquele lugar, de compor uma atmosfera que me trazia aconchego, independentemente de qualidade artística ou avaliação estética. Não se costuma dizer que a beleza está no olhar de quem vê? 
Edie Campbell por Peter Lindbergh: lembrar daquela casa me suscita uma atmosfera parecida.
   

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