Mostrando postagens com marcador preto e branco. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador preto e branco. Mostrar todas as postagens

domingo, 21 de julho de 2013

nem tudo já foi dito...





Pego carona no texto de Michel Laub na Folha de São Paulo de sexta passada. "Falácias da Literatura" é o título e, como numa enumeração feito 10 mandamentos, o escritor discorre sobre senso comum e frases feitas que, na visão dele, correspondem a dogmas ou verdades absolutas sobre literatura. 


Um dos ítens a serem desmitificados por Laub é o de que tudo já foi dito. Leia-se que nada mais é original. Complementa-se esse lugar-comum com um outro: todos os modos de dizer já foram utilizados. 

Quem lê livros, vai ao cinema, exposições, vive o mundo real e virtual, tudo isso com certa regularidade, sabe que há uma dialética embutida na realidade em que vivemos - de alguma maneira, podemos fazer conexões com o passado, fatos históricos, ou mesmo relacionar ideias e formas a outros autores e escolas, gêneros. No entanto, há como discernir entre uma obra original, feita com suor e lágrimas, de outra preguiçosa, cópia fácil. E obviamente que há temas novos a serem abordados na medida em que o mundo avança em diferentes frentes, sejam novas linguagens a serem exploradas, novos problemas e questões, sejam novos temas até então desconhecidos, desimportantes.

Ainda na boléia do argumento de Laub, minha intenção é empregar sua desconstrução de pré-conceitos artísticos para falar da "Branca de Neve" (2012) do espanhol - e basco - Pablo Berger. Com vários elementos possivelmente contrários à originalidade e qualidade artística desse filme - vide "O Artista", de Michel Hazanavicius, releitura dos filmes mudos anteriores ao cinema falado, e as demais adaptações hollywoodianas para o conto dos Irmãos Grimm, uma com Julia Roberts e a outra com Charlize Theron, ambas como a rainha-má -, a película de Berger é fortemente original. E não quero ser meramente adjetivo aqui quando o filme é super substantivo. Berger adapta a fábula de Branca de Neve à Sevilha de 1910, tendo como pano de fundo a tauromaquia e a cultura do sul da Espanha. Cultura de grande apuro estético, de iconografia fabular riquíssima, de mistura do drama, melodrama, com a comédia, o flerte com o bizarro. 

"O Artista" retrata uma época relativa ao cinema mudo, retoma esse tema. Já o filme de Berger, não. Ele é, em si, um misto de cartoon com história de horror e cinema. Mais que isso, a história de Branca de Neve é recontextualizada de uma forma em que a menina doce e sofrida se vê às voltas com as fontes mais primitivas contidas nos contos de fadas - a perda dos pais, a herança familiar que restou, a recriação da identidade, a tentativa de fuga de uma sina, um destino pré-concebido. Nesse sentido, a Branca de Neve de Berger é andrógina, farta em seus lábios e olhos grandes, cabelos curtos, toureadora, a sétima anã de um clã de pequeninos saltimbancos que vivem a perambular pelo interior da Espanha. E emprestando como referência o suspense de Hitchcock como o mistério e o absurdo de Buñuel, Berger nos presenteia com um filme que Tim Burton deveria assistir para se reciclar. O anão-príncipe e a princesa-cadáver. Vá ver...

domingo, 23 de junho de 2013

a geologia do mundo...

A obra de Roger Ballen partiu de uma proposta documental, no início (vide a foto dos gêmeos acima) para uma abordagem cada vez mais surreal e abstrata, chegando inclusive a criar performances e instalações para seus registros.
Roger Ballen é um fotógrafo autodidata. Nasceu em Nova York em 1950, numa família na qual a fotografia fazia parte do quotidiano (sua mãe trabalhava como revisora de imagens para a agência Magnum). 

Muito jovem ainda, Ballen abraçou a geologia como profissão. Sem uma educação formal, apenas a paixão por mapear geografias desconhecidas, pela possibilidade de viajar e documentar paisagens muito distintas da NYC natal. Aos 20 anos começou sua jornada pelo norte da África, sempre com uma câmera na mão, filme preto e branco, o qual nunca abandonou (uma de suas marcas registradas). Foi descendo até o extremo sul do continente, garimpando solos e imagens, terminando por se instalar onde já não podia mais seguir. Desde então, fixou residência na África do Sul, e hoje vive em Joanesburgo. 

São mais de 40 anos de trajetória como fotógrafo. Primeiro, como amador. Depois, como profissional. A passagem, segundo o próprio Ballen, da geologia para a fotografia foi contínua, sem sobressaltos. Afinal, tratava-se de cavar por debaixo da terra para encontrar um mundo existente mas não visível a olho nu. Como sua fotografia, fundadora de um universo entre o real e o imaginário. Nem documentar nem inventar, mas sim dar forma para acomodar a enorme bagunça do mundo, parafraseando Beckett. As imagens escavadas por Ballen são abstrações a reconfigurar a realidade, sem, no entanto, querer organizá-la. Muito pelo contrário. São imagens perturbadoras. Como a geologia, o objetivo é aceitar a tal bagunça, o caos, redimensioná-la sem julgamentos. Por isso a fidelidade ao preto e branco. O claro e o escuro são instrumentos para esse mundo in between, inconsciente. A fotografia de Roger Ballen abraça a confusão do mundo.

(abaixo o clipe dirigido por Ballen para o trio de hip-hop sul-africano Die Antwoord, original da Cidade do Cabo, cujo trabalho baseia-se no Zef, gíria sul-africana para a cultura indie do país que se apropria do mix de influências do tribal, popular, street art e cultura de massa).



segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O dom da ilustração

Patrick Seymour é um artista sediado em Montreal, no Canadá, que trabalha com arte digital, design e ilustração. Incrível os detalhes e o refinamento das suas ilustrações, valendo-se apenas do contraste do delineado branco no fundo preto. 

Confira o link para seu portfólio online, e 4 exemplos de seu traço refinado:

Online Portfolio For Patrick Seymour





sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Distanciamento e aproximação

Do fazendeiro ao pedreiro, todas as camadas sociais da vibrante economia alemã do início do século passado são objeto do projeto monumental "Homens do Século XX", de August Sander.
Visão geral do conjunto de registros fotográficos do Studio 3Z na trigésima bienal de São Paulo.

Integridade e sobriedade, marcas registradas dos personagens retratados pelo angolano Ambroise Ngaimoko (aka Studio 3Z)


Lutadores de boxe retratados por August Sander
2 garotos no estúdio de 3Z
O arquiteto Hans Luttgen e sua mulher, Dora, em 1926, no registro de Sander.
Uma perspectiva geral dos retratos do imenso portfólio de August Sander assim como dispostos na trigésima bienal de São Paulo
Pessoas comuns iam até o estúdio fotográfico de Ambroise Ngaimoko (aka Studio 3Z) para serem retratadas.

A trigésima bienal de São Paulo selecionou uma amostra interessante e inusitada de obras fotográficas. O fio condutor dessa escolha me parece ter sido, numa primeira etapa, a força do conjunto da obra de cada fotógrafo e, nessa mesma direção, o caráter repetitivo e obsessivo do artista em representar o mundo ao redor – seu mundo emocional, afetivo; seu mundo sócio-cultural.

Duas vastas coletâneas em específico tiveram enorme impacto sobre mim: os registros do angolano Studio 3Z, feitos na década de 70, e o portfólio de 619 prints do projeto “Homem do Século XX”, do alemão August Sander (pela primeira vez reunidos em sua totalidade, um resumo da sociedade alemã desde suas reminiscências camponesas do início do século passado, até a consolidação do capitalismo naquele país).

Em comum, o apuro técnico de uma época pré-digital, onde a revelação e a impressão em preto e branco dominavam. Além disso, ambos artistas dedicaram-se à fotografia documental – em seu estúdio no ex-Zaire, atual Congo, no caso de 3Z, ou no próprio ambiente do personagem-objeto, na obra de Sander. E apesar das diferenças culturais e de momento histórico, 3Z e Sander aproximam-se pelo conceito compartilhado sobre o trabalho de registro fotográfico. Não se trata para ambos de clicar e reproduzir meros instantâneos, mas sim reger e orquestrar uma composição contida e íntegra de seus retratados. Há neles, como dizer, uma honestidade artística, um respeito profundo por esses indivíduos que se dão a retratar.

A prolífica obra dos dois fotógrafos  tem seus sentidos revigorados em tempos de banalização imagética, pois 3Z e Sander fazem quantidade com qualidade, com apuro de peça única, individualizada. Há um mundo inteiro nos conjuntos de suas fotos, e mundos particulares em cada uma delas. Eis aí uma bela forma de renovar a crença no gênero humano.


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Profissão: artista?


iFoto de closeup de obra do fotógrafo Alfredo Cortina na trigésima bienal de São Paulo: sua mulher como personasem recorrente.
iFoto de outro dos prints fotográficos de Alfredo Cortina e sua musa nouvelle-vaguiana.


Como a sociedade em que vivemos e na qual estamos inseridos costuma definir cada um de nós? O que você faz? No que você trabalha? Estas últimas são as top 2 perguntas quando encontramos pessoas na balada, em festas, quando somos introduzidos por amigos num determinado grupo (desconsideremos perguntas como “qual o seu nome” e “quantos anos você tem”).

Mas, afinal, qual é a personalidade, quais são os gostos, os medos, os desejos de alguém que me responde “dentista”? E “engenheiro”?; ou “juíza”? Muito, muito pouco mesmo para se formar uma concepção sobre um indivíduo com bases tão funcionalistas.

Alfredo Cortina foi um dos fundadores da radiodifusão moderna na Venezuela. Sua vida profissional foi dedicada à criação e produção de roteiros e programas para rádio e TV. Na trigésima bienal de São Paulo, porém, fui apresentado a um fotógrafo de nome Alfredo Cortina. O mesmo venezuelano, só que outro.

O conjunto de fotos apresentado na bienal tem como fio condutor o registro de uma única personagem feminina – sempre a mesma, sua esposa, a poeta Elisabeth Schön – inserida em paisagens insólitas e estranhas. Ela raramente mira a câmera – apenas em um cromo. Parece uma estátua fria, uma atriz tirada de um filme de Godard ou do Resnais do “Ano Passado em Marienbad”. Um ser transformado em pedra, em objeto, aparentemente. Numa observação mais demorada, no entanto, essa mulher parece querer se comunicar conosco, humanizar-se. E nessa contradição de objeto e sujeito a personagem feminina de Cortina movimenta-se, mudado de figurino e de cenário, passando por locações bucólicas até terrenos baldios.

A composição fotográfica, o enquadramento, os contrastes, a encenação, são bastante rigorosos. Indicam para esse movimento dialético da inserção da modelo de Cortina em cada uma das distintas paisagens. Um ser perdido no espaço, ou bem confortável olhando ao longe, ou simplesmente desconcertada, tendo sua imagem refletida num espelho d’água.

Conheci nessa bienal o Cortina fotógrafo, e conheci também sua personagem enigmática e poética. Uma personagem que docemente trava uma batalha silenciosa para não ser neutralizada, junto à paisagem à sua volta, pelo olhar que a captura.

Voltando à questão inicial: até que ponto não somos neutralizados – leia-se empobrecidos – na sociedade funcionalista do mundo do trabalho em que estamos imersos, se somos decupados equivocadamente pela profissão que temos, ou pela forma que ganhamos a vida?

Uma paisagem única, uniformizada?
Foto de Alfredo Cortina fotografando sua esposa, presente no catálogo dessa bienal mais recente.