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domingo, 23 de junho de 2013

a geologia do mundo...

A obra de Roger Ballen partiu de uma proposta documental, no início (vide a foto dos gêmeos acima) para uma abordagem cada vez mais surreal e abstrata, chegando inclusive a criar performances e instalações para seus registros.
Roger Ballen é um fotógrafo autodidata. Nasceu em Nova York em 1950, numa família na qual a fotografia fazia parte do quotidiano (sua mãe trabalhava como revisora de imagens para a agência Magnum). 

Muito jovem ainda, Ballen abraçou a geologia como profissão. Sem uma educação formal, apenas a paixão por mapear geografias desconhecidas, pela possibilidade de viajar e documentar paisagens muito distintas da NYC natal. Aos 20 anos começou sua jornada pelo norte da África, sempre com uma câmera na mão, filme preto e branco, o qual nunca abandonou (uma de suas marcas registradas). Foi descendo até o extremo sul do continente, garimpando solos e imagens, terminando por se instalar onde já não podia mais seguir. Desde então, fixou residência na África do Sul, e hoje vive em Joanesburgo. 

São mais de 40 anos de trajetória como fotógrafo. Primeiro, como amador. Depois, como profissional. A passagem, segundo o próprio Ballen, da geologia para a fotografia foi contínua, sem sobressaltos. Afinal, tratava-se de cavar por debaixo da terra para encontrar um mundo existente mas não visível a olho nu. Como sua fotografia, fundadora de um universo entre o real e o imaginário. Nem documentar nem inventar, mas sim dar forma para acomodar a enorme bagunça do mundo, parafraseando Beckett. As imagens escavadas por Ballen são abstrações a reconfigurar a realidade, sem, no entanto, querer organizá-la. Muito pelo contrário. São imagens perturbadoras. Como a geologia, o objetivo é aceitar a tal bagunça, o caos, redimensioná-la sem julgamentos. Por isso a fidelidade ao preto e branco. O claro e o escuro são instrumentos para esse mundo in between, inconsciente. A fotografia de Roger Ballen abraça a confusão do mundo.

(abaixo o clipe dirigido por Ballen para o trio de hip-hop sul-africano Die Antwoord, original da Cidade do Cabo, cujo trabalho baseia-se no Zef, gíria sul-africana para a cultura indie do país que se apropria do mix de influências do tribal, popular, street art e cultura de massa).



sábado, 20 de abril de 2013

o artista é um editor de imagens...

Obras de técnicas e séries diversas da prolífica trajetória artística do paraense Emmanuel Nassar.
Jerry Salz é historiador da arte, e tem uma coluna no Village Voice, de Nova York. Roberta Smith é jornalista especializada em artes visuais e escreve no New York Times. Também tem sua própria coluna. Ambos são considerados críticos de altíssima reputação no mundo da arte contemporânea. Ambos,  coincidentemente, formam um casal. 

Eles declaram evitar falar de trabalho em casa. Da mesma forma, procuram não ver as mesmas exposições ou visitar as mesmas galerias ao mesmo tempo. Além disso, cada um possui seu modo de olhar a arte e, portanto, seu próprio estilo de escrita. Roberta é mais formalista, a ela interessa a técnica, o processo, o meio de expressão do artista; Jerry, por sua vez, gosta da vertente de narrativa contida em toda obra de arte, atendo-se mais ao que a obra tem a contar do que em seu suporte. 

São duas formas distintas, no entanto, complementares, de abordar a arte. Forma e conteúdo não se dissociam, porém há casos em que aspectos formais destacam-se mais do que o conteúdo e vice-versa. Tudo depende da maneira como o artista alia suas intenções, seus conceitos, dentro da linguagem escolhida por ele para se comunicar.

No contexto da arte contemporânea, artistas sofrem com a  questão da originalidade, com o processo de encontrar um estilo próprio, único. Uma vez imersos num mundo em que todos os limites e extensões da arte já foram explorados, cabe ao artista um papel de editar, à sua maneira, o volume de imagens e influências a seu redor. Como na montagem de um filme. 

Tomo o exemplo da obra do paraense Emmanuel Nassar como representativa dessa concepção de fazer artístico contemporâneo. Influenciado pela riqueza da miscigenação portuguesa e índia de Belém, Nassar é um editor das cores intensas e quentes encontradas pela cidade, da iconografia popular, incluindo a da indústria cultural, das formas e modos de vida locais. O resultado dessa edição é original na medida em que se materializa numa linguagem aparentemente oposta, em formatos que flertam com o construtivismo, a abstração, e geometrismo característicos da arte moderna brasileira.  

Trabalhando inicialmente a acrílica sobre tela, depois o relevo sobre madeira, e depois técnicas de assemblage, a obra de Nassar sempre bebeu na fonte do popular mais popular possível, em releituras de desenhos e pinturas encontradas em bares e banheiros públicos de Belém, das cores vibrantes dos muros e das casas, dos anúncios em placas de metal tão recorrentes na periferia da cidade. 

Jerry Salz e Roberta Smith, muito provavelmente, escreveriam resenhas muito distintas sobre a obra de Emmanuel Nassar. E, também muito provavelmente, seriam críticas complementares: enquanto Smith ressaltaria a riqueza das composições formais, o contraste das cores e formas que tornam Nassar único no universo construtuvista brasileiro, Salz enfocaria o contexto em que essa obra foi editada, seu diálogo particular e ao mesmo tempo universal entre a cultura popular paraense, a indústria cultural e a sociedade de consumo na qual estamos todos inseridos.