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segunda-feira, 15 de julho de 2013

breu em julho...

Capa da edição da Cosanaify de 2007 de "Luz em Agosto"
Retratos de William Faulkner feitos pelo fotógrafo francês Henri Cartier_Bresson
George Zimmerman, 29, hispano-americano, foi absolvido no sábado passado pelo assassinato de Trayvon Martin, 17, afro-americano, em 26 de fevereiro de 2012, em Sanford, estado da Flórida. Uma decisão que abala a opinião pública norte-americana e sua crença numa sociedade igualitária.

Ao mesmo tempo, questiono-me se há surpresa no resultado final do julgamento do caso George Zimmerman. Coincidentemente, estou no final de "Luz em Agosto", terceiro livro de William Faulkner, escrito há mais de 70 anos. Ganhador do Nobel de Literatura, a obra de Faulkner foca no mundo em que o autor cresceu, o Mississipi, o sul sombrio norte-americano, o sul escravocrata, puritano e falso moralista. Um sul que nunca se rendeu à vitória do norte ianque. Um sul que sempre vem à tona quando se trata do inconsciente coletivo do país, quando se trata de reafirmar que o estado das coisas não é afeito a mudanças por aquelas bandas, e que, num certo sentido, é tão rígido e inabalável quanto o que vemos no continente europeu.

O mérito de "Luz em Agosto" é a forma da narrativa. Como Faulkner consegue inter-cambiar os focos narrativos confundindo o leitor. Ou melhor, mostrando ao leitor que não existe verdade, e sim versões. Versões cujo poder é tornarem-se realidade. Como a sina de Joe Christmas, o branco com sangue de negro, símbolo de uma crença muito mais do que um fato verídico, um indivíduo que se crê sem identidade e, por isso, desconfia o tempo todo do outro, da alteridade. Aliás, prática muito comum e frequente na pauta das relações internacionais norte-americanas. Se tens dúvidas sobre ti, acoberte-as desconfiando do Outro.

Eu seria incapaz de fazer uma resenha à altura de uma obra como "Luz em Agosto". Porém, num momento de comoção nacional nos Estados Unidos tendo em vista mais um caso que embaralha mocinho e bandido; preto, branco e latino, "Luz em Agosto" nunca foi tão pertinente e contemporâneo ao mostrar o espelho quebrado em que a sociedade norte-americana se vê refletida. Faz escuro em julho...

quinta-feira, 20 de junho de 2013

a cavaleira e o assassino do rei...

Brienne de Thar (Gwendoline Christie) e Ser Jaime Lannister (Nikolaj Coster-Waldau): duas personalidades completamente opostas e conflitantes que acabam por se atrair numa relação tão intrincada quanto inverossímil. O grande talento das histórias bem contadas: incluir contradição e conciliação, sem exclusão de uma pela outra. 
Até bem pouco tempo me considerava excluído da febre que assola o mundo do entretenimento chamada "Game of Thrones". Até um amigo me fazer o enorme favor de emprestar a primeira temporada da série. Pronto, pego na armadilha da luta intestina do jogo dos tronos, com direito a muito sangue, sexo, intrigas, diálogos afiados, romances intensos, batalhas grandiosas, votos de lealdade, cavaleiros e damas, casas heráldicas, uma direção de arte incrível e um roteiro que lança arcos dramáticos tão bem enovelados que a gente se vê totalmente enredado, num misto de expectativas revertidas e sabor de "quero mais". Uma produção mega, em todos os aspectos (me faz pensar quando as produtoras aqui no Brasil, junto às TVs a cabo, chegarão a esse padrão de qualidade dramática e técnica; na minha cabeça, ainda um sonho distante). 

Para encurtar a conversa, já estou na metade da 3a. temporada. Em menos de 2 semanas, comi, bebi, dormi e acordei "Game of Thrones". Deixei livros de lado. Até de sair à noite. Pela intensidade do apaixonamento, poderia criar um blog exclusivo para comentar a série. Prefiro, porém, confessar que me rendi ao feitiço e, depois, atiçar a vontade dos ainda não iniciados a aderir ao vício.

A atriz inglesa Gwendoline Christie, que interpreta a cavaleira andrógina Brienne de Thar: 1, 91m que colaboraram para que o papel fosse dela.
Mais: prefiro falar de uma das minhas personagens preferidas (são várias, muito difícil escolher uma só). Chama-se Brienne of Thar, uma cavaleira de jeito masculino, enorme, alta, extremamente corajosa e leal a suas causas. Uma exímia guerreira e também mais uma outcast daquele mundo (uma mulher-homem?). Essa personagem andrógina, já presente no livro "A Song of Ice and Fire" no qual a série é baseada, é interpretada pela inglesa Gwendoline Christie, 1 metro e 91 centímetros, uma valquíria loura perfeita para o papel (só não é mais perfeita porque, no livro, a personagem é descrita como feia e de corpo desengonçado). 

Tirando as especificidades do physique du rôle, a interpretação de Gwendoline para Brienne de Thar é cativante. A atriz é muito bem-sucedida em dar tonalidade a uma cavaleira errante de grande força e coragem, cujos votos de lealdade a seus reis e senhores são inequívocos, pétreos. Ao mesmo tempo em que, com a tarefa de escoltar e devolver Ser Jaime Lannister (Nikolaj Coster-Waldau) à corte de King's Landing, ela se vê forçada a conviver com um nobre mimado, incestuoso, sem escrúpulos, aka Kingslayer por ter apunhalado pelas costas o rei ao qual ele devia servir e proteger. Uma cavaleira de ética irrepreensível frente à frente com um nobre sarcástico, vil e arrogante. Todavia, não sem qualidades. Pelo menos ao longo da relação de atração mútua que se desenvolve entre Ser Jaime e Brienne, entre dois mais diferentes, impossível. Uma brecha para a humanização de ambos: a redenção, para Jaime, e o afeto, para Brienne. Uma história de amor cheia de som e fúria, como talvez sejam as verdadeiras histórias de amor. Irracionais, ilógicas, mas de grande sentido místico, inexplicável. 

quinta-feira, 16 de maio de 2013

to be continued...

Germain é o personagem de Fabrice Luchini em "Dentro da Casa", o professor de literatura de um liceu francês, entediado e desencantado com seu trabalho, seu casamento. Sua postura cética e, mais ainda, cínica diante do mundo ao seu redor o levará a viver a realidade como uma ficção sem volta, com um desfecho patético e risível.  
Por mais irregular que a obra do diretor francês François Ozon seja, ele raramente faz feio. Pelo contrário, alguns de seus filmes são muito caros a mim. Pequenas obras-primas. É isso: pela quantidade de sua produção, invejável para um realizador novo, de apenas 45 anos, Ozon já coleciona pequenas obras-primas. Gosto da leveza do adjetivo "pequenas". Pois, por mais que seus temas sejam inesperados e nada moralistas no sentido conservador da palavra, são filmes nos quais nos vemos muito próximos dos personagens, das histórias contadas. Talvez caiba o "moralista" no sentido ético: Ozon é um libertário. Ele não julga suas criaturas; ele se solidariza a elas, sem infantilizá-las. 

"Dentro da Casa" (2012) segue a tradição ozoniana. Seus personagens sofrem calados, incomunicáveis, por viverem o tédio do aburguesamento das relações humanas do mundo moderno desenvolvido; porém, diante de um desejo irreversível de mudança, diante do acaso, eles acabam perdendo absolutamente o controle; deixam-se levar, serem levados. 

O que mais me chama a atenção em "Dentro da Casa" é a crítica contundente daqueles que buscam na arte um tipo de redenção, de transcendência que, nos dias de hoje, não passa, a meu ver, de uma grande forçacão de barra. Uma camuflagem, um disfarce pseudo-intelectual e cínico para abismos interiores. Pois se não temos experiências próprias, um repertório, um mundo interior, não há arte conceitual chinesa nem literatura russa que dê jeito.

PS-"To be continued" é a expressão que conecta os capítulos da narrativa de "Dentro da Casa". Mas também pode ser visto como um mote da própria obra de Ozon... Ainda vem muita coisa por aí...

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Coração de lobo, sozinho, sozinho...

Capa da edição brasileira, pela Companhia das Letras.
Que a vida é mais cheia de desencontros do que encontros, tecida na incomunicabilidade entre indivíduos, talvez seja um pouco óbvio e sem graça dize-lo assim, simplesmente. Mas representar tal afirmação com contundência e sensibilidade nas histórias de 5 personagens que vivem numa cidadezinha do sul dos Estados Unidos no auge da depressão econômica da década de 1930 já se torna tarefa bem mais complexa.

O que falar, então, desse desafio para uma iniciante de apenas 23 anos, Carson McCullers - pseudônimo literário de Lula Carson Smith -, ao publicar seu primeiro livro, em 1940, "O Coração é um Caçador Solitário".

Em muito pouco tempo, a obra de estreia de McCullers obteve reconhecimento de público e crítica, e, desde há muito, figura entre os clássicos da literatura de ficção norte-americanos do século XX, ao lado de livros como "O Som e a Fúria" e "Luz em Agosto", de William Faulkner.

Cito Faulkner porque vejo muitas semelhanças entre a literatura de ambos - o retrato do sul norte-americano, um outro país dentro de um país, uma região rica em preconceitos e pobre em oportunidades, reflexo de uma cultura orgulhosa em sua imutabilidade. 

No caso de "O Coração é um Caçador Solitário", há uma grande dose de ousadia da autora ao abordar temas polêmicos nesse cenário primitivo - pedofilia, homossexualismo, comunismo -, misturados ao racismo e conservadorismo sulistas tão arraigados e já conhecidos. 

As 5 histórias dos 5 personagens entrelaçam-se; cada capítulo tem como voz narrativa um desses personagens. Para alinhavar essas diferentes perspectivas está o personagem convergente da trama, o mudo John Singer, um homem solitário e enigmático que todos na comunidade reputam como um grande sábio, quase um santo. Ele é o file depositário da solidão e do flagelo dos outros 4 personagens, os quais se vêem capturados pelo mundo ao redor, pelo sentimento de impotência. 

Em tempo: lembro-me de ter me surpreendido com o cineasta Luis Buñuel quando ele afirma em sua auto-biografia, "Meu Último Suspiro", que sempre havia desejado fazer um filme chamado "O Anjo Exterminador", não importasse qual fosse a história. O que lhe obcecava era esse nome, o título sobre o anjo assassino.

Depois de finalizar "O Coração é um Caçador Solitário", ficou-me a impressão de que esse livro havia pedido para ser escrito, que esse título devia estar impresso na mente de Carson McCullers, como a obsessão de Buñuel. Porque não há título mais adequado a essas pequenas histórias de indivíduos desafortunados, todas tão belas quanto trágicas.