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quarta-feira, 22 de maio de 2013

a diferença entre ouvir e escutar...

Instalação site-specific de 2008 no Museu de Arte Contemporânea de Santa Mônica, concebida pelo artista norte-americano Michael Asher: coerência de uma trajetória como crítico e professor que sempre estimulou seus alunos a questionar o espaço físico dos museus e galerias.
Se você faz sua arte por puro deleite e degustação própria, o que vem a seguir pode não lhe interessar. No mínimo, não lhe cabe, pois não deve ser uma preocupação. 

Porém, se você tem alguma intenção de, um dia, participar de editais de artes visuais, ser selecionado por um deles, expor numa coletiva, ou entrar num salão de arte de certo peso, isto é, ganhar dinheiro e/ou reconhecimento por sua obra, bem-vindo ao mundo da arte e suas especificidades. 

Se você não fez uma graduação em artes visuais, seguramente você compareceu a cursos livres de técnica - desenho, pintura, escultura - e de história da arte. Ou ainda de algum grupo de acompanhamento e análise de portfólios de artistas, onde outros artistas, como você, mais um curador/professor/crítico de arte, comentam o conjunto da sua obra não apenas a partir do que eles vêem e observam, mas também em relação à coerência do seu discurso de artista - o chamado "art statement" - vis-à-vis o trabalho mostrado.

No livro "Sete Dias no Mundo da Arte", já comentado aqui no blog, Sarah Thornton escreve um capítulo específico sobre uma aula de crítica e análise de portfólio no consagrado California Institute of the Arts (ou CalArts, como o instituto é carinhosamente conhecido). Ela participa de um dia de aula na turma de crítica que esteve sob o comando do artista conceitual norte-americano Michael Asher por mais de 30 anos. Trata-se de um seminário em que alunos-artistas apresentam seus trabalhos para crítica coletiva. (Asher faleceu no ano passado, uma enorme perda para o CalArts pois era um professor muito querido pelos alunos, dedicado e de espírito libertário). 
Um dos prédios que compõem a famosa CalArts, em Valencia, um distrito de Los Angeles, California.
Thornton fica admirada com o engajamento dos participantes do seminário: na aula em que esteve, dois alunos apresentaram seus trabalhos, um pintor e uma escultora - se não me falha a memória -, e chamou-lhe a atenção por quantas horas ao longo daquele dia Asher e seus pupilos ficaram encerrados dentro de uma sala parecendo um bunker, cada um deles trazendo consigo lanche, bebidas, animais de estimação, sacos de dormir, material de trabalho. Enfim, um engajamento que também se mostrava espontâneo, resultado de uma química entre a figura carismática porém reservada de Asher e os participantes do seminário. Só quando o mestre se levantou da cadeira e deixou a sala, muitas horas depois do seminário ter se iniciado, é que a turma se dispersou. Em nenhum momento, por mais que as opiniões se divergissem, houvesse divagações malucas, inseguranças por parte dos artistas que apresentaram trabalhos, questionamentos de Asher, o clima era de interação intensa entre indivíduos que sabiam por que estavam ali reunidos. 

Importante frisar que Thornton relata as observações do professor Asher como muito pontuais, o que, na sua visão, denotava uma estratégia muito mais voltada para suscitar e abrir questões e estimular o discurso de seus alunos do que meramente emitir juízos de valor. 

Infelizmente, no caso do exemplo abaixo, a artista participante de uma banca de seleção de projetos ou de algum tipo de aula de crítica de arte - não sei bem ao certo -, não reagiu muito bem aos comentários dos especialistas presentes. A menina surtou, destruiu sua própria pintura, e ainda saiu batendo a porta.

Sabemos que não é fácil escutar comentários a respeito de trabalhos autorais. Difícil, às vezes, ter a maturidade de separar o que é pessoal do que é objetivo, e, sobretudo, diferenciar os níveis de crítica e comentários. Mas se a sua opção for a de sair debaixo da chuva, segura a onda pois não fomos feitos de açúcar.
(anyway, vejam o vídeo até o final; imperdível...)



quinta-feira, 16 de maio de 2013

to be continued...

Germain é o personagem de Fabrice Luchini em "Dentro da Casa", o professor de literatura de um liceu francês, entediado e desencantado com seu trabalho, seu casamento. Sua postura cética e, mais ainda, cínica diante do mundo ao seu redor o levará a viver a realidade como uma ficção sem volta, com um desfecho patético e risível.  
Por mais irregular que a obra do diretor francês François Ozon seja, ele raramente faz feio. Pelo contrário, alguns de seus filmes são muito caros a mim. Pequenas obras-primas. É isso: pela quantidade de sua produção, invejável para um realizador novo, de apenas 45 anos, Ozon já coleciona pequenas obras-primas. Gosto da leveza do adjetivo "pequenas". Pois, por mais que seus temas sejam inesperados e nada moralistas no sentido conservador da palavra, são filmes nos quais nos vemos muito próximos dos personagens, das histórias contadas. Talvez caiba o "moralista" no sentido ético: Ozon é um libertário. Ele não julga suas criaturas; ele se solidariza a elas, sem infantilizá-las. 

"Dentro da Casa" (2012) segue a tradição ozoniana. Seus personagens sofrem calados, incomunicáveis, por viverem o tédio do aburguesamento das relações humanas do mundo moderno desenvolvido; porém, diante de um desejo irreversível de mudança, diante do acaso, eles acabam perdendo absolutamente o controle; deixam-se levar, serem levados. 

O que mais me chama a atenção em "Dentro da Casa" é a crítica contundente daqueles que buscam na arte um tipo de redenção, de transcendência que, nos dias de hoje, não passa, a meu ver, de uma grande forçacão de barra. Uma camuflagem, um disfarce pseudo-intelectual e cínico para abismos interiores. Pois se não temos experiências próprias, um repertório, um mundo interior, não há arte conceitual chinesa nem literatura russa que dê jeito.

PS-"To be continued" é a expressão que conecta os capítulos da narrativa de "Dentro da Casa". Mas também pode ser visto como um mote da própria obra de Ozon... Ainda vem muita coisa por aí...

sábado, 13 de abril de 2013

sete dias no mundo da arte...

A historiadora da arte e socióloga canadense Sarah Thornton e seu livro "Sete Dias no Mundo da Arte".


Obra do artista italiano Maurizio Cattelan, denominada "Cavallo  in Tassidernia", hoje no Museu de Arte Moderna de Frankfurt, e capa da edição brasileira do livro de Sarah Thornton (muito bem escolhida, por sinal, pois a obra de Cattelan é muito representativa da ambivalência do mundo da arte contemporânea, flertando entre a provocação, o mau-gosto e o embuste).

Por que o mercado de arte sofreu um aquecimento sem igual na última década e meia? Por que obras de arte, sobretudo as contemporâneas, atingem cifras milionárias em leilões? Qual o papel da crítica, dos curadores e museus, dos prêmios, das feiras e bienais, da relação entre galeristas (ou marchands) e artistas? De uma outra perspectiva, por que o mundo da arte tem se tornado tão popular, acessível na mídia, também por meio de uma programação cada vez mais variada e extensa de exibições nas grandes cidades, num número crescente de galerias, artistas e publicações a respeito?

A socióloga e historiadora da arte canadense Sarah Thornton se debruçou sobre todas essas questões em seu livro "Sete Dias no Mundo da Arte: Bastidores, Tramas e Intrigas de um Mercado Bilionário", no Brasil, publicado pela Agir. 

Analogamente a seus primeiros livros, sobre cultura da noite - raves, boates e nightclubs - e cultura de rua, Thornton, como uma observadora ativa, participa, durante alguns dias, de sete etapas fundamentais da cadeia produtiva do mundo da arte contemporânea. A visita, junto com dois marchands e curadores da Califórnia, ao atelier do escultor japonês Takashi Murakami, para conferir a produção de uma escultura monumental de cinco metros, chamada "Oval Buddha", a ser exibida numa retrospectiva do artista no Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles; um leilão de arte da Christie's de Nova York; a participação na principal feira de arte contemporânea do mundo, na Basiléia, na Suíça, a Art Basel; a passagem pela prestigiosa escola de artes norte-americana, o California Institute of the Arts; o acompanhamento da entrega do cobiçado prêmio Turner na Tate Gallery de Londres; a produção da Artforum, a mais importante publicação de textos críticos do mundo da arte; e, por fim, juntou-se aos experimentos estéticos e às vanguardas contemporâneas apresentadas na Bienal de Veneza, um dos cenários de respiro e renovação das poéticas artísticas. 

Por meio de entrevistas e depoimentos de atores-chave no mercado e mundo da arte, assim como de sua própria observação crítica, Thornton elaborou uma crônica irônica e inteligente sobre a complexa dinâmica desse sistema. Um sistema que, se por uma lado, atrai a cobiça de especuladores, colecionadores, galeristas e instituições culturais, também chama de forma crescente a atenção do público em geral. Afinal, estamos mais educados e informados; estamos lendo menos e vendo mais (youtube, internet, revistas de moda, de design, e afins); e a arte é uma espécie de idioma universal, como a música, abrangente em sua fala e, mais ainda, permissiva em suas influências. 

Depois que a separação entre arte erudita e popular desfez-se e que o papel do curador e do galerista, mais do que o do crítico, tomaram uma preponderância fundamental na inserção e valorização da obra de um artista contemporâneo no mercado, a visão "senso comum" do mundo da arte acirrou sua conotação de embuste, de artificialidade, de truque, egos e, como propósito final, o fazer dinheiro. Thornton não fecha os olhos para isso. Muito pelo contrário. Sua grande contribuição, no entanto, diz respeito mais a um mundo que funciona segundo regras muito peculiares e próprias - algumas delas totalmente afinadas às do capitalismo moderno -, mas que têm em sua raiz a criação artística, de ideias e formas, em torno da qual há camadas de pessoas excêntricas, cultas, outras anacrônicas, e outras ainda deslumbradas e superficiais, todas eles - artistas, curadores, galeristas, críticos, colecionadores, jornalistas, leiloeiros, designers, produtores - compondo um mundo complexo e, sem dúvida alguma, fascinante.