domingo, 24 de fevereiro de 2013

prece muda...

Fica em cartaz até o próximo final de semana, dia 03/03, a exposição denominada "Plegaria Muda", ou "Prece Muda", em português, de autoria da colombiana Doris Salcedo. 

Trata-se de um conjunto de 120 esculturas, cada uma composta pelo encontro de duas mesas de madeira invertidas, uma sobre a outra, tampo contra tampo, as mesas prensando uma camada de terra. Dispostas no 4o. andar da Estação Pinacoteca, antigo prédio do DEOPS, órgão emblemático da repressão em tempos explicitamente autoritários no Brasil, as 120 esculturas formam uma instalação a ocupar 2 imensas salas, ornadas apenas com janelas ovaladas e pilares de ferro batido, do projeto original de Ramos de Azevedo. É um espaço austero, sombrio, que se torna ainda mais sombrio quando tomado pela obra de Salcedo. 

Ao percorrer as duplas de mesas, formando um grande labirinto que dificulta nossa locomoção, percebemos com mais detalhe pequenas "graminhas", ervas daninhas crescendo dessa terra por entre as fissuras da madeira. 

Ultrapassando a primeira sala, nos deparamos com as mesmas esculturas, porém, colocadas de modo distinto, mais uniforme, até rarearem e sobrar apenas uma delas. 

Não leva muito tempo para que a repetição da obra de Salcedo nos remeta a uma atmosfera de abandono, de morte, de vida sufocada. A mesa - na instalação, todas elas usadas, com histórias próprias - tem um significado utilitário, social e cultural muito forte. É ao redor de uma mesa que partilhamos uma refeição em família, ou bebemos com amigos. Usamos uma mesa para trabalhar, para estudar, ler, escrever. Há ação e vida em torno de uma mesa. Mas não em torno das mesas reviradas de "Prece Muda". Resignificadas pois em outro contexto, em que ficam da altura de adultos, uma sobre a outra, elas passam a nos remeter à imagem de camas, de caixões, de cemitérios, onde ervas daninhas crescem a esmo. E pela repetição imagética, somada à luz baixa e ao odor da madeira, da terra e das plantas, respiramos uma atmosfera de abandono e sufocamento, de vala comum, de vida ceifada. Narro aqui sensações experimentadas por mim na visita a "Prece Muda". Não se trata, de forma alguma, de uma obra cerebral, mesmo sendo conceitual em sua origem. O trabalho de uma imagem forte, constituída por símbolos resignificados, e repetida à exaustão, são mais do que suficientes para fazer a diferença. 

Independentemente de "Prece Muda" ter sido concebida em Los Angeles, em 2004, quando a artista colombiana se deparou com a triste realidade das mortes de adolescentes - sobretudo, latinos e negros - em brigas entre gangues (o que a remeteu à realidade de seu país, onde jovens eram encontrados mortos, em valas comuns, tidos como "guerrilheiros" ou criminosos), sua potência está na redenção das vítimas dessa violência surda por intermédio da poesia, do lirismo gerado por sua obra. Pelo sentimento universal e compartilhado de abandono, solidão, tristeza, que começa a brotar em nossas corações e mentes por intermédio do embate físico entre espectador e obra. 

Anáfora, em retórica, é a repetição de uma palavra ou grupo de palavras com o intuito de criar, no leitor ou interlocutor, a sensação de reforço, ênfase. O poeta Manuel Bandeira era um grande admirador - e utilizador - da repetição em seus poemas. Costumava dizer que, através da exaustão do mesmo pelo seu uso extenso, o resultado seria algo novo, diferente. E, em vez de igual, único, ao final.
Diferentes planos e locais onde a instalação "Plagaria Muda", de Doris Salcedo, foi exibida entre 2011-2013. A artista fez questão que essa obra fosse exibida na Estação Pinacoteca de São Paulo não apenas pela amplidão do local, mas sobretudo pelo significado histórico do prédio.
Instalação de Doris Salcedo com mais de 1500 cadeiras, prensadas entre 2 prédios em Istanbul, na 8a. bienal, em 2003. Trabalhar uma topografia da guerra e da violência já estava presente no conceito e realização de sua obra.
"Shibboleth", de 2007, no Hall das Turbinas da Tate Modern de Londres. Uma fissura de terremoto artificialmente criada em torno da qual instalou-se uma polêmica por conta dos desavisados que se machucaram por não terem prestado atenção no vão. 

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