quarta-feira, 24 de abril de 2013

contemporâneo, que é do mesmo tempo de, que é concomitante, que é do nosso tempo...


Depois de apresentar os novos desdobramentos do seu trabalho, Juliana* levantou uma questão para nós da turma de 3a. do grupo de acompanhamento de artista: como eu faço para que meus alunos se interessem por arte contemporânea? Ela tem um ateliê onde ensina desenho, pintura, mas pensa em ir mais a fundo, em mostrar a seus alunos a relevância e a potência da arte feita nos tempos de hoje para quem, numa caracterização clichê, tem como parâmetro de arte a pintura acadêmica figurativa. 

Uma outra colega nossa, Paula, mencionou que sua professora de história da arte, na faculdade, começava o curso de trás para frente, abordando primeiro a arte contemporânea em seus vários aspectos, para depois adentrar a linha do tempo histórico. A justificativa para sua metodologia: o que é produzido no tempo presente nos é muito mais próximo; levanta proposições e suscita reflexões sobre nossas experiências atuais, sobre nossa percepção do ambiente que nos cerca. Apesar de acharmos aparentemente ininteligível, difícil, conceitual demais, mercadológico demais, gráfico demais, rápido demais. Apesar de todos esses senões, o leque variado de meios, suportes e conteúdos da arte contemporânea nos trazem questões basilares, imutáveis, que têm a ver com o fazer artístico, com as fronteiras da arte e suas novas linguagens, e com a constante renovação do pacto poético entre artista e público. 

Vejo uma analogia com o cinema brasileiro dos dias de hoje. As produções atuais, umas mais blockbusters, outras, mais autorais, refletem mudanças em relação ao passado. Ou melhor, refletem uma conexão com o que vivemos atualmente, seja a onda de comédias com elenco global e temas ligados a novos padrões de comportamento vividos pela sociedade brasileira, seja a safra recente de realizadores em busca de uma reflexão crítica - de linguagem inclusive - sobre as peculiaridades e mazelas do Brasil do presente. É claro que não há descarte do passado, do legado da história do cinema nacional. O ponto é que muita coisa ficou anacrônica, como as chanchadas, ou mesmo certa obrigatoriedade de filiação com o Cinema Novo ou o Cinema Marginal. Vínculos e inspirações continuarão a existir, porém eles se renovam na medida em que o compromisso é a comunicação com o público que vive o seu hoje. É uma vontade culturalmente natural - e saudável - de retratarmos e sermos retratados nesse presente, assim como os mercadores burgueses do renascimento holandês também o queriam naquele tempo. Ou a arte sacra em seu apogeu, como meio de fortalecer os laços entre igreja e seus seguidores.

Adiantando o futuro, mesmo que breve, estreia dia primeiro de maio, próxima quarta-feira, o documentário "Doméstica", de Gabriel Mascaro. Sete adolescentes tiveram como missão registrar por uma semana a sua empregada doméstica e entregar o material bruto para o diretor realizar, por meio da montagem desses registros, um filme. Entre o choque da intimidade, as relações de poder e os afazeres do cotidiano, o que está em jogo é um olhar contemporâneo sobre o trabalho doméstico no ambiente familiar, num contexto  mais atual impossível das recentes mudanças do marco regulatório brasileiro referente a esse tipo específico de relação trabalhista. 

"Doméstica" vem a público embebido em polêmica, em meio ao debate ideológico que permeia essa questão no Brasil. Muitos dirão que se trata de oportunismo e de violência à integridade dos personagens retratados; outros,  que se trata de um contundente ensaio sobre afeto e relações de poder, uma mistura indistinta em nosso país. Hoje e desde há muito tempo. O olhar é que se atualiza. 
*os nomes são fictícios

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