quarta-feira, 17 de abril de 2013

a inoculação do tempo...

Pintura da série "Today", de On Kawara.
Obra em processo de On Kawara, "One Million Years": acima, o livro com a marcação dos anos para frente e para trás no tempo; abaixo, o registro em audio, na XI Documenta de Kassel, feito por um casal dentro de uma cabine de vidro instalada na rua.
Postais da série "I got up".
Além da sua própria data de nascimento, de quais outras datas marcantes da sua trajetória de vida você se recorda? Quais ainda marcarão? Você fará o registro delas em sua memória? Você consegue avaliar quantos fatos históricos importantes, quantas conquistas tecnológicas ou quantas mudanças sócio-econômicas ocorreram nos últimos séculos? E nos séculos que estão por vir? A que horas você costuma acordar? Sua família, seus amigos, sabem exatamente como você está, como se sentiu hoje?

Nasci em 2 de janeiro de 1968; meu pai morreu em 19 de outubro de 1987; eu me casei em 3 de agosto de 1996; no entanto, me apaixonei por um sorriso em 17 de junho de 2004; minha mãe irá completar 85 anos em 18 de novembro deste ano. Confesso ter uma grande facilidade com datas; talvez porque me sinta mais confortável no mundo com a parametrização do tempo. Tenho necessidade de sentir o tempo em diferentes registros, incluindo o puramente cronológico.

Hoje, dia 17 de abril de 2013, meu amigo Rodrigo Isaias me mandou uma mensagem logo pela manhã, às 9h34. Perguntava quem havia sido o artista - ele sabia que era japonês - autor de uma série de telegramas ao seu galerista holandês com os dizeres "I'm still alive", como que para deixar marcado, mesmo que por meio do suporte efêmero do telegrama - era 1970 - a sua existência. Para que ele, quem enviou os telegramas, não fosse esquecido (Rodrigo ainda me contou na mensagem que essa conversa havia surgido numa discussão com uma amiga dele, em que falavam sobre a contradição, hoje em dia, de sermos alguém diferenciado, numa época de redes sociais e reality-shows, em meio a uma dinâmica de homogeinização e banalização de comportamentos e identidades).

Respondi a ele, alguns minutos depois, que o artista a que ele se referia chama-se On Kawara, nascido no mesmo dia que eu, 2 de janeiro, em 1933, em Kariya, Japão. De 23 de março a 19 de setembro de 2011, a obra de Kawara, "I'm still alive" inspirou uma mostra no MoMA de Nova York, em que a ideia de quotidiano e de existência fugaz, porém distinta e única de todo e qualquer indivíduo, era o fio condutor. 

Além de "I'm still alive", Kawara produziu pinturas da série "Today", na qual, a depender do país, ele representava, nas línguas oficiais, o dia, o mês e o ano da execução da pintura. Houve os cartões-postais enviados para os amigos, da série "I got up", em que ele enviava diariamente, por um certo período, postais com a hora em que havia acordado naquele dia. E a obra mais extensa de Kawara, "One Million Years", iniciada em 1969, depois continuada em 1993, e mais tarde na XI Documenta de Kassel, em 2002, na qual, numa cabine de vidro, um homem e uma mulher registram em audio, um após o outro, um ano para frente e um ano para trás - e assim sucessiva e respectivamente - até atingir, numa linha cronológica do tempo, um milhão de anos no futuro e outro milhão no passado (não tenho noção de quanto tempo já foi percorrido nesse registro).

O vídeo abaixo narra a continuidade do projeto "One Million Years" na galeria David Zwirner de Nova York, em exibição até 14 de fevereiro de 2009, mostrando a lógica de funcionamento da obra. É pura arte conceitual, em relação à qual muita gente faz suas ressalvas. Compreensível, na medida que fomos educados, visualmente, por intermédio das belas-artes - pintura, escultura, sobretudo - e pouco acostumados a uma arte que se trasmite por uma ideia, um conceito, que se materializa por meio da palavra, de números, ou ainda de um registro de voz. 

Se um quadro ou uma escultura são suportes que carregam consigo não apenas uma plasticidade visual, mas também uma durabilidade, uma possibilidade de apreciação mais sensorial e menos racional, além de poder ser "adquirida", como lidar com a fruição estética de um conceito? Quanto vale uma ideia, ou um conjunto de signos que compõem uma ideia, um conceito? São expansões da arte contemporânea que fazem sentido dentro de um contexto histórico, e dentro de uma proposta coerente de uma poética de artista. Caso de Kawara, cuja obra eminentemente conceitual permitiu com que hoje, 17 de abril de 2013, às 9h34 da manhã, meu amigo Rodrigo entrasse em contato comigo, para compartilhar uma questão, que acabou por se desdobrar neste post, o 113o. do blog, finalizado às 22h56, horário de Brasilia. Até aqui, eu sigo vivo...

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