quinta-feira, 18 de abril de 2013

à rua ao que é da rua...




Registros fotográficos de Meena Kadri da street art indiana. Se o grafite, em seu uso moderno, praticamente inexiste naquele país, a técnica tradicional da pintura feita à mão está em todos os lugares para onde quer que você olhe.
O MAM de São Paulo abriu suas portas para uma retrospectiva da obra de Alex Vallauri, artista italiano radicado no Brasil, de carreira meteórica e morte precoce, aos 37 anos, um dos precursores da arte de rua no país, no final da década dos 70 (o personagem "a mulher do frango assado" foi um dos ícones do grafite de Vallauri).


Muitas décadas depois, a arte de rua no Brasil não possui mais um caráter eminentemente contestador e marginal, como nos tempos de Vallauri. O grafite, pras bandas daqui, já virou grife, se livrou da pecha do picho, e adentrou o interior das galerias e lojas de design

Curiosamente, nesta mesma semana, li um depoimento da fotógrafa neo-zelandesa de origem indiana, Meena Kadri, sobre a street art na Índia. O relato e os registros de Kadri são bem representativos das idiossincrasias da cultura indiana, fechada em si mesma pelas características muito peculiares e historicamente enraizadas num caldeirão de referências consolidas e, ao mesmo tempo, extremamente ricas. Vide Bollywood, exemplo de que, mesmo em se tratando de uma indústria cultural, como a do audiovisual, os gostos étnicos ligados aos mais de 400 idiomas e dialetos oficialmente reconhecidos nesse território de bilhão e muitos habitantes fecha naturalmente as portas para o produto importado. 

Algo semelhante se passa com arte de rua indiana. Não há uso de sprays ou tubos de aerosol. Tudo é na base da tinta e do pincel. E a grande maioria das obras referem-se a propagandas, a cartazes de salas de chá, placas de caminhão e riquixás (em muitos, com os dizeres, em inglês, "buzine"), outdoors de lanchonetes, anúncios de cabeleireiros ou de consultórios médicos, cartazes de filmes de Bollywood, avisos públicos ou mesmo representações das vastas iconografias locais. 

É inegável, porém, aproximarmos o olhar para essas pinturas de rua e encontrarmos nelas ressonâncias da cultura popular brasileira, sobretudo do norte e nordeste. As cores muitas e vibrantes, os traços singelos, uma precariedade naïf na perspectiva, um gosto pelos elementos decorativos e gráficos (lembrei-me muito da obra do artista paraense Emmanuel Nassar, que trabalha o lado construtivista da pintura brasileira de origem popular). 

Mesmo estabelecendo intersecções, surgem grandes diferenças quando colocamos, lado a lado, os contextos da arte de rua na Índia e no Brasil. Primeiro, porque o grafite nacional sofreu enorme influência da cena hip hop norte-americana do início dos anos 80 - e, consequentemente, da street art de lá -, enquanto a pintura de rua indiana permanece intimamente ligada às suas raízes sócio-culturais. Essa primeira diferença nos conduz a uma segunda grande distinção: a comodização do suporte "grafite" no Brasil, domesticado pelo mercado das galerias, contrariamente aos artistas de rua indianos, os quais sobrevivem de encomendas geradas pelo pequeno comércio urbano. 

Meena Kadri colhe o depoimento de um desses artistas: "a melhor divulgação que posso fazer do meu trabalho são as placas para riquixás; elas viajam por toda a cidade e, assim, não preciso ir atrás de novos clientes; eles é que chegam até a mim, para encomendar fachadas para seus negócios ou outros anúncios". Um outro tipo de mercado, com menos glamour

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