iFoto de closeup de obra do fotógrafo Alfredo Cortina na trigésima bienal de São Paulo: sua mulher como personasem recorrente. |
iFoto de outro dos prints fotográficos de Alfredo Cortina e sua musa nouvelle-vaguiana. |
Como a sociedade em que vivemos e na qual estamos inseridos
costuma definir cada um de nós? O que você faz? No que você trabalha? Estas
últimas são as top 2 perguntas quando encontramos pessoas na balada, em festas,
quando somos introduzidos por amigos num determinado grupo (desconsideremos
perguntas como “qual o seu nome” e “quantos anos você tem”).
Mas, afinal, qual é a personalidade, quais são os gostos, os
medos, os desejos de alguém que me responde “dentista”? E “engenheiro”?; ou “juíza”?
Muito, muito pouco mesmo para se formar uma concepção sobre um indivíduo com
bases tão funcionalistas.
Alfredo Cortina foi um dos fundadores da radiodifusão
moderna na Venezuela. Sua vida profissional foi dedicada à criação e produção
de roteiros e programas para rádio e TV. Na trigésima bienal de São Paulo,
porém, fui apresentado a um fotógrafo de nome Alfredo Cortina. O mesmo
venezuelano, só que outro.
O conjunto de fotos apresentado na bienal tem como fio
condutor o registro de uma única personagem feminina – sempre a mesma, sua
esposa, a poeta Elisabeth Schön – inserida em paisagens insólitas e estranhas. Ela
raramente mira a câmera – apenas em um cromo. Parece uma estátua fria, uma
atriz tirada de um filme de Godard ou do Resnais do “Ano Passado em Marienbad”.
Um ser transformado em pedra, em objeto, aparentemente. Numa observação mais demorada, no entanto, essa mulher parece querer se
comunicar conosco, humanizar-se. E nessa contradição de objeto e sujeito a
personagem feminina de Cortina movimenta-se, mudado de figurino e de cenário, passando por locações bucólicas até
terrenos baldios.
A composição fotográfica, o enquadramento, os contrastes, a
encenação, são bastante rigorosos. Indicam para esse movimento dialético da
inserção da modelo de Cortina em cada uma das distintas paisagens. Um ser
perdido no espaço, ou bem confortável olhando ao longe, ou simplesmente
desconcertada, tendo sua imagem refletida num espelho d’água.
Conheci nessa bienal o Cortina fotógrafo, e conheci também
sua personagem enigmática e poética. Uma personagem que docemente trava uma
batalha silenciosa para não ser neutralizada, junto à paisagem à sua volta, pelo olhar que a captura.
Voltando à questão inicial: até que ponto não somos neutralizados – leia-se empobrecidos
– na sociedade funcionalista do mundo do trabalho em que estamos imersos, se somos
decupados equivocadamente pela profissão que temos, ou pela forma que ganhamos
a vida?
Uma paisagem única, uniformizada? |
Foto de Alfredo Cortina fotografando sua esposa, presente no catálogo dessa bienal mais recente. |
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