sábado, 22 de junho de 2013

invencionices...

Desenho sobre papel com técnica de pólvora queimada: aves brasileiras retratadas em obra feita por Cai-Gio Qiang aqui no Brasil, especialmente para a tournée dessa exposição.
Traquitanas voadoras, criadas pelos inventores anônimos encontrados por Cai-Guo Qiang ao longo de suas incursões pelo interior da China: todas elas penduradas ao redor do prédio do CCBB no centro de São Paulo.
Termina amanhã no CCBB de São Paulo a mostra "Da Vincis do Povo" do artista chinês Cai Guo-Qiang. Depois de ter passado por Brasilia - e agora por São Paulo - a exposição segue para o CCBB do Rio, onde será inaugurada no início de agosto.


Lendo alguns artigos sobre o papel da arte contemporânea produzida na China, ficou nítida a visão do Ocidente sobre a oposição entre a obra de Ai Weiwei e a de Cai Guo-Qiang. Várias são as opiniões assim como os julgamentos a respeito (afinal, estamos em tempos de excessos de opiniões, uma compulsão a afirmações e statements). Em linhas gerais, o que se diz é que Weiwei representaria a faceta politicamente engajada mais proeminente da arte chinesa, claramente contra o governo comunista, enquanto Cai faria às vezes de "governista", menos preocupado com a situação política e de falta de liberdade de expressão do povo chinês do que seu conterrâneo Ai. 

Permito-me pular essa dicotomia com o argumento de que ambos, tanto Ai Weiwei quanto Cai Guo-Qiang, são artistas já renomados e incorporados pelo mercado da arte contemporânea. São internacionalmente reconhecidos, exibidos e vendidos. Portanto, denominar um, oposicionista, e o outro, situacionista, funciona muito mais como apelo de marketing do que qualquer outra coisa. Rixas são sempre bem-vindas na feira das vaidades do mundo das artes. 

O que distingue a auto-promoção e o caráter proposital e artificialmente crítico da obra de Ai Weiwei - um self-made man da controvérsia - do trabalho de Cai Guo-Qiang é que, este último, vale-se sem pudores das tradições artesanais e artísticas da cultura chinesa - seja o desenho em pólvora queimada, milenar, seja a coleção de gadgets e invenções criadas por centenas de camponeses chineses, coletadas e comissionadas por Cai ao longo dos anos. 
A seção dos "robôs-artistas": primeiro, o que remete à experiência criada por Yves Klein e a tinta azul; abaixo, o robô Jackon Pollock.
Boneco movido por controle remoto: os brinquedos ficaram dispostos no "cofre" do CCBB.  Esse, em especial, me lembrou o chucky, brinquedo assassino. Quando se move, é bem freaky... 
Num certo sentido, ambos misturam elementos da arte conceitual contemporânea, como a arte colaborativa, a performance, o colecionismo, o registro, com elementos da tradição ancestral da arte chinesa, como artesanato, como técnica, como apuro de horas e horas de trabalho detalhista. E aí vejo intersecção no trabalho dos 2: de diferentes maneiras, questionar a identidade chinesa como um coletivo massacrante, onde o indivíduo quase nunca se dá a ver, onde só há espaço para o conceito de "povo", utilizando uma mistura de seus próprios recursos artísticos e de tradição artesanal com características até bem pouco tempo estranhas a eles, tomadas emprestadas do Ocidente, como a figura do artista-sujeito, como aquele que conceitua, não aquele que cria, o artista que coloca a si mesmo à serviço da arte, como um indivíduo único, capaz de mover e motivar o espectador pela suas ideias. 

Ao efetuarem, cada um a seu modo, essa ponte Ocidente-Oriente, Ai Weiwei e Cai Guo-Qiang estão mais irmanados do que gostaria a imprensa marrom especializada que tanto afã pela polêmica tem. Já falamos da obre de Weiwei aqui no blog. Sobre a obra de Cai - mais especificamente, sobre a exposição que fica até amanhã no CCBB de São Paulo, "Da Vincis do Povo" - gosto do caráter de brinquedo que ela tem. As pipas, populares e tradicionais tanto na China como no Brasil, e as engenhocas e robôs saídas de um gabinete de invencionices e curiosidades. Curiosas e engraçadas, elas também podem ser conceituais, dialogar com a arte contemporânea ocidental, sem perder o tom de ironia e graça, como os robôs artistas que imitam os estilos de autores como Jackson Pollock e Yves Klein. Uma obra de múltiplas vozes. Contemporâneo e bastante chinês. 
(ps. todos os registros fotográficos aqui foram feitos por mim e meu iphone...).
As instalações com pipas dispostas no último andar: na primeira foto, a sala escura com pipas artificiais articuladas por mini-ventiladores e projetores de imagens; na clarabóia do prédio, na segunda foto, pipas brancas, com ideogramas chineses, "empinadas" por fios atados a berços de vime (os berços não aparecem no registro).

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