domingo, 16 de junho de 2013

imagens, apesar de tudo...

Cinegrafista sendo atacado por PM no centro de São Paulo, durante a manifestação a favor do passe livre na última quinta-feira.
Leio hoje no caderno "Aliás" do Estadão que a Abraji - Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo - contabilizou em 15 os jornalistas feridos pela PM no ato a favor da redução das tarifas de transporte público na última quinta-feira, dia 13 de junho, em São Paulo. Bombas de gás e balas de borracha foram os principais instrumentos utilizados pela polícia militar para reprimir os manifestos paulistanos, além de spray de pimenta e os usuais cacetetes. Ferido no olho, um fotógrafo da agência Futura Press corre o risco de ficar cego.

Para o governo e sua polícia, repórteres são alvos privilegiados em casos como esse. Afinal, é por meio de suas imagens e relatos que podemos tomar conhecimento de outros lados de uma história, de acontecimentos. E, de fato, vimos não apenas nas redes sociais mas também nos jornais imagens impressionantes, registros de atos de barbárie e violência ocorridos na última quinta no centro de São Paulo, na praça Roosevelt, na Rua da Consolação, nas imediações da Paulista.

Nesse contexto, quero inserir as ideias do filósofo francês e historiador da arte, Georges Didi-Huberman. Um pensamento que, a meu ver, é altamente poderoso como ferramenta crítica para pensarmos o que vemos no presente, sobre a enxurrada de imagens pelas quais passamos o olho, pelo caráter de registro que a fotografia tem e que, na maioria das vezes, negligenciamos seja como informação, seja como arte e instrumento de reflexão. Graças à técnica fotográfica e seu caráter de reprodução - conceito cunhado por Walter Benjamin para declarar a perda da aura da obra de arte em seu conceito clássico - podemos hoje carregar num pen-drive imagens contrabandeadas de uma passeata em Instambul, de um crime contra os direitos humanos no Irã, ou da situação do trabalho infantil no Paquistão. 

Da perspectiva de Didi-Huberman, em vez de representarem um ultraje à condição humana, a impossibilidade de retratar o irretratável, o inimaginável, imagens como as que foram feitas, de forma amadora inclusive, das cenas de violência cometidas pela PM paulista contra manifestantes, não só devem ser reproduzidas e repassadas ao máximo como também preservadas em seu contexto precário - e dinâmico - de registro. Somente por meio das imagens - e dos relatos - é que podemos construir um olhar crítico sobre o que acontece ao nosso redor. 

Por defender tal argumento, Huberman enfrentou duras críticas de pesquisadores como Claude Lanzmann, diretor do documentário Shoah, sobre o holocausto, para os quais não há representação possível para atrocidades como as perpetradas durante o período nazista.

É justamente contra tal tabu - o do inimaginável, do impensável - que o filósofo francês se posiciona. Para ele, o pensamento, a escrita e a arte devem resistir ao sentimento de impossibilidade. Mesmo que não alcancem dar conta de representar esse "inimaginável" em seu absurdo, em sua estupidez e desumanidade. O que não se pode é ficar refém dele, refém da alienação histórica, da amnésia política, refém da inconsciência dos fatos. Por isso, deixemos elas virem, surgirem, passarem frente a nossos olhos, as imagens. 

Inspirado não apenas em Benjamin mas no historiador da arte Aby Warbung, o pensamento e a arte de Didi-Huberman enxergam as imagens como objetos arqueológicos, como a possibilidade de associações transversais entre passado e presente, a possibilidade de encontrar pontos de convergência entre fatos e temporalidades distintas. Entre o que vemos no presente, o que sobreviveu, mais o que sabemos ter desaparecido.

Se não estamos presentes, se nos negamos a olhar, a ver, se não enfrentamos as imagens com olhos críticos - isto é, treinados e atentos - passamos pelo mundo sem entendê-lo, sem duvidar dele. Sobretudo em suas contradições mais atrozes. Por isso, as imagens, apesar de tudo... 

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