segunda-feira, 19 de setembro de 2016

everywoman...


(I've made up my mind to restart writing on my blog in English. A matter of getting more practice with the language as well as a kind of challenge to be faced, as my new home has been Toronto since this last July on... Please readers forgive me for my scarce vocabulary - I am pretty sure it will broaden and get wider with time and further writing - and do not take it as something snob or arrogant... Actually it's a fact that it's been already happening for a while, as my daily life has been carried out in English terms... Something I can't avoid, and I don't want to... Quite the opposite)


One of the most expected world premieres at TIFF this year was "I Am Not Madame Bovary" (watch the trailer above), the latest feature conducted by the Chinese director Feng Xiaogang, having the leading role played by Fang Bingbing as Li, a peasant young woman who decides with his husband to fake a divorce in order to get a financially better mortgage to buy their house. After that, they would ask for the divorce to be annulled and remarry again. Turns out her husband moves to their new house with another woman, breaking up the deal with Li. Feeling deeply betrayed, Li wants her ex-husband to admit the hoax before the judge. Yet the court determines that the original severance is legal, once the husband confirms his version of the facts. Not satisfied, he humiliates Li in front of the whole village, calling her "Madame Bovary", which in China means unfaithful and devious wife - not surprisingly.

However, Li doesn't see herself as a victim. She decides to struggle all the way to the several bureaucratic ranks to untie the fake-legal divorce and prove she was deceived by her husband and the law system. It is a quest for regain her honor. Or better put, to rub off in everyone's face that she is not going to comply with being labeled as a liar neither a slut. In other terms, "Madame Bovary, it's not me", Li states, the opposite of what is written by Gustave Flaubert at the beginning of the storytelling of her ambitious, lost and tragically trapped heroine.

In a country of billions of people, in a society where men are culturally the rulers, the strive of this pale figure of Li gains strong shades either of a super heroine who wants revenge or of a everywoman who just claims for respect in this macho-topped down world.

The feeling of being caught in a net of prejudice and conservative judgment is shared by the 2 "Emma Bovary". Though what shapes our Chinese alias differently from the classical archetype is her willing to find a way out of her petty condition, even if this would cost years of her life, no matter if she succeeds or not. At least, the attempt of quaking and shivering the political and social ladder in a male-dominant society is what it counts for her.

Going further, also distinctively from our literary Bovary, Li feeds less and less expectations towards fate and other people's help. She takes initiatives, grabs her life and grudges in her hands and moves on fighting. That is her choice. Not the choice of being loved or saved or forgiven by the men around her. The latter was Emma Bovary's choice, which has led, in full deceit, to her deadly arsenic swallowing (anyway, also a choice made).

Beautifully shot in the tradition of Chinese painting - circular "tunnelvision" perspective for the province scenes - and vertical rectangular shaping of the big screen for the Beijing plots, the cinematography option for "I Am Not Madame Bovary" reminds me of a fable atmosphere. In which the ant - Li - pulls all her strength and resources together to fully live as a woman in a environment restrained by conservative laws, by a social-political Kafkanian framework. And by lots of deception. Ants do not use to giving up so easily.

The circle-shaped framing of most of the sequences of "I Am Not Madame Bovary"

Cast members Guo Tao, Fan Bingbing, Feng Xiaogang and Dong Chengpeng (L to R) attend the world premiere of the film "I Am Not Madame Bovary" at the Toronto International Film Festival (TIFF) 2016


PS - Fan Bingbing is not only one of the most famous actresses in China nowadays but also one of the best paid in the whole film industry.









domingo, 21 de fevereiro de 2016

de volta para o passado...

O Urso de Ouro de melhor filme na edição encerrada ontem do Festival de Berlin foi para Fogo no Mar, um documentário sobre os refugiados chegando aos borbotões na Itália via suas ilhas no Mediterrâneo (no caso, Lampedusa). Independentemente das qualidades artísticas da obra, sem dúvida alguma, trata-se de uma declaração, um "statement" proferido pelo júri do festival sobre a violenta quanto intrincada realidade social, política e econômica que vivemos nos dias de hoje. Um mundo em colapso mais pela dificuldade de entendermos o que efetivamente pode ser feito por estados, sociedades e instituições do que pela tragédia humana a acompanhar nossa história ao longo de séculos e séculos.

É nesse mesmo contexto de fluxos migratórios compulsórios, movidos à pobreza ou belicismo contra minorias, religiões, gêneros e afins, no mesmo "melting pot" em que se dissolvem e se aquecem ininterruptamente discussões ligadas à igualdade das etnias, sexos, gêneros, transgêneros e orientações sexuais, que surgem 3 filmes independentes "pero" ditos hollywoodianos a nos remeter a essas mesmas questões mas em momentos históricos passados: "Carol", "A Garota Dinamarquesa" e "Brooklyn".

Os 3 filmes primam por uma direção de arte rebuscada, de excelência, elemento fundamental para o desenrolar de suas tramas. Pode-se alegar que se trata de uma edulcoração da contundência das histórias ali contadas, uma forma de escapismo, de diminuir o impacto ou suavizar a polêmica que os filmes abordam - o amor homossexual, o transgênero, a necessidade econômica de migrar para outro país. Em todos os casos, em tempos que não são os nossos - seja a década de 1950 no caso de Carol e Brooklyn, seja os anos 10, 20, em A Garota Dinamarquesa.


Outro elemento em comum - a meu ver - é a escolha pela linguagem melodramática para as narrativas. Todos os sentimentos, aparentemente, são vivenciados intensamente. Talvez porque se tratem de dramas profundos como a descoberta de pertencer a um corpo 'errado', em A Garota Dinamarquesa, ou o tabu relativo ao amor entre 2 mulheres, pertencentes a classes sociais tão distintas, no caso de Carol.

E aqui já tiro um pouco Brooklyn da jogada. Porque a "pobre-imigrante-irlandesa-jeca-transformada-em-it-girl-vivendo-no-brooklyn-em nova york-ao-voltar-à-sua-cidade-natal-na irlanda-e-se-ver-dividida-entre-dois-mundos-tão-distintos" convence bem pouco. É raso, pouco verossímil. Não vemos tantos dilemas morais, tantas ambições a serem conquistadas, nada que, da forma como colocada em 2015, ano de produção do filme, nos traga algum choque ou apelo. Igualmente se o filme fosse exibido em 1951-52. Quantos melodramas, comédias, filmes de ação feitos àquela época não eram muito mais transgressores e perigosos - e aí realistas, porque diziam o que no mundo quotidiano era interdito dizer - do que a saga da protagonista interpretada por Saoirse Ronan? (fala-se "sertia" como "inertia"). Vemos uma certa "sanitarização" da realidade dos imigrantes pelas lentes do diretor do filme.


A Garota Dinamarquesa é a próxima a rodar no jogo. O que dizer da impecável direção de arte, dos figurinos, da reconstituição de época das locações em tantos países diferentes? Sem hesitar, digo, é tudo muito lindo. E é aí que essa beleza seduziu meu olhar para outros cantos, outras paragens que não o cerne da história - o drama excruciante do pintor-homem que se vê obcecado em se tornar mulher, a ponto de arriscar sua própria vida num dos primeiros relatos existentes de cirurgia de mudança de sexo. Eddie Redmayne e suas personagens diminuíram-se diante de tanta beleza, beleza inclusive de Alicia Vikander e sua personagem, na medida em que ela abraça, como mulher, esposa e companheira de Einar / Lili um papel beirando a mártir, a Joana D'Arc assexuada até o final acompanhando e apoiando a saga do marido. Bem pouco verossímil igual. Da mesma forma que Lili brota feito um poço artesiano perfurando no deserto - e que começa a jorrar em 5 segundos após o furo no chão - a compaixão sem medida de Gerda traz a personagem de Vikander para o primeiro plano (e aí por que supporting actress se é ela, na minha opinião, que conduz o filme?). Muito gloss e glamour para pouca profundidade no tratamento do tema - cadê o preconceito da época, com todo seu peso? a divisão emocional, a dúvida de Einar e Lili, como se Lili tivesse chegado pra ficar de uma forma posseira, levando enxurrada abaixo o que já existia da personalidade e do gênero daquele corpo já habitado. Onde está o drama na continuidade do artista que ali sempre viveu, naquele corpo? No filme, são como 2 personas distintas. Cortadas a laser...

E eis que me derramo por Carol. Porque a beleza das atrizes, os figurinos incríveis, a direção de arte também magnífica estão organicamente amalgamadas à uma proposta de cinematografia. A qual, por sua vez, nos leva a uma proposta clara - da qual podemos discordar, mas é a mais clara e objetiva das 3 propostas dentre os 3 filmes em questão - de Bildungsroman, de realidade versus reflexo, sonho; aquela menina aparentemente tão bobinha, naïve, a Therese de Rooney Mara, demonstra abertamente suas inseguranças, suas ignorâncias mas também seus desejos, seus sonhos e ambições. E o veículo transformador, a guia a conduzi-la entre os jogos de luzes noturnos refletindo nos táxis de Nova York, é Carol - uma mulher ciente de seus poderes de sedução, carismática, elegante, culta; porém confinada a uma vida pequeno-burguesa, plena de insatisfações. A direção da trama, como o roteiro circular, que me surpreendeu no final, opera para contar uma história passo a passo, de transformação com sofrimento e alegria, de descoberta, um encaminhamento sem pieguices ou polarizações. Carol, o filme, pode chocar por sua sutileza. Pela construção de personagens que poderiam ser reais, que são reais em seus conflitos e dramas. Personagens que, porém, ao serem transportados para a tela grande, da maneira como Toddo Haynes o faz, transgridem essa realidade sem romper com ela, estabelecendo um diálogo no qual aceitamos, como espectadores, o pacto da verossimilhança. Tiramos os nossos e calçamos outros sapatos.

A beleza tem seus méritos, seus propósitos, seus artifícios. No mundo distópico em que vivemos, a sede e fome pelo belo pode tanto nos iludir ao nos conduzir ao isolamento, à um mundo raso sem diferentes perspectivas e interpretações, como também pode nos redimir da culpa de termos que ser o que não queremos ser, o que não desejamos. E aqui, beleza não é espelho, não é Narciso; beleza é reconciliação com o real, é possibilidade de realização.   

domingo, 9 de março de 2014

dis de dislexia...

Modelos embaladas a vácuo no desfile-display da designer holandesa Iris Van Herpen na semana de moda de Paris há alguns dias atrás. Onde supostamente deveria haver movimento, fluidez,  aprisionamento, imobilidade. 
Dentre os sentidos do prefixo "dis" estão os seguintes: separação, negação, contrário, dificuldade, contrariedade. Distração: falta ou dificuldade de atenção; distopia: posição ou situação anormal de um órgão do corpo humano. Ou o contrário de utopia: a separação dos ideais de liberdade e igualdade, e a organização social da realidade - caótica, violenta, sem sentido. Dislexia: dificuldade com o "lexus", a palavra, com o ler e escrever. Negação do tempo de refletir, compreender, interpretar. 

Fukaeri é a adolescente introvertida, monossilábica, misteriosa; a menina diagnosticada como disléxica, que não consegue se ater muito tempo à leitura e à escrita, mas capaz de criar uma história fantástica e absolutamente original que fascina um cínico editor e um escritor-to-be na trilogia "1Q84" de Haruki Murakami. 

Fukaeri fala pouco, não consegue formular questões; mistura um vestido de algodão leve de verão com um casaco de neve para o inverno pesado; é quase inexpressiva. Fukaeri, apesar dos seus 17 anos, comporta-se como um traumatizado de guerra, como um indivíduo que passou por tantos revezes na vida e que, por isso, sua única resposta é o silêncio, o olhar parado no infinito.  

Não sei exatamente explicar porque esse blog foi interrompido: uma distensão entre setembro do ano passado e o dia 9 de março deste ano. Feito Fukaeri, quero dizer não, refutar, dizer que não compreendo o que vem acontecendo ao meu redor ao longo desses meses. Com o olhar perdido no horizonte, recomeço a escrever por aqui. Sem pretensões, sem alvo, sem direção. A grande vantagem é a de que, se eu bater em alta velocidade contra um poste ou uma árvore, capotar inúmeras vezes, e deslizar barranco abaixo, ainda assim continuarei vivo. Terei voltado a arriscar.  

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

como o inferno são os outros...

Eis o plot de "Tese sobre um homicídio" (2013), filme argentino ainda em cartaz em São Paulo, dirigido por Hermán Goldfrid: 

O professor de direito penal Roberto Bermudez está no ápice da carreira. Seu seminário/curso na Faculdade de Direito de Buenos Aires é disputadíssimo pelos alunos, os quais nutrem por ele profunda admiração. Um certo temor até. O que reforça em Bermudez o sentimento de arrogância, um pairar superior aos demais, sejam alunos, amigos ou colegas de profissão. Até que surge Gonzalo, jovem advogado de 28 anos, filho de amigos de longa data do causídico. Também inscrito no curso de direito penal de Bermudez, Gonzalo deseja impressionar o mestre, revelar sua admiração por ele por meio do conhecimento, o que vai funcionar como brasa sobre combustível - Bermudez sente-se imediatamente ameaçado por aquele jovem, em todos os sentidos, literalmente. 

O catalisador dessa rivalidade é o assassinato de uma jovem, cujo corpo aparece estendido no estacionamento da faculdade interrompendo uma aula do mestre Bermudez. Na noite anterior, no lançamento de seu livro "A Estrutra da Justiça", o autor Bermudez e seu pupilo Gonzalo haviam discorrido sobre posições divergentes em relação à aplicação da lei, justiça e impunidade. Na noite seguinte, por conta do cadáver caído bem abaixo dos olhos de todos, o que parecia um embate pueril entre admirador e admirado transforma-se em ameaça, em conflito aberto entre dois rivais, o mais novo tentando tirar o poder do mais velho. Sentindo-se acuado, com o ego prestes a se esboroar, Bermudez revida ao encasquetar que o responsável pelo homicídio é ninguém menos do que seu pupilo e admirador Gonzalo. E para provar sua suspeita, transformada em sua cabeça em certeza, ele será capaz de entender e interpretar a realidade dos fatos da forma que lhe for mais conveniente. 

Ricardo Darín concede uma potência emocionante ao professor Roberto Bermudez. Ele sua a camisa ao longo dos 106 minutos de duração do filme. Pois o que vemos na tela é a transformação de um homem cheio de si, soberbo e inatacável, que vê sua blindagem egoica derreter. Por trás dela, surge um indivíduo solitário, com os instrumentos de afeto atrofiados, vista a energia psíquica drenada para manter um pedestal que vai se mostrando feito de barro. A alteridade inexiste para a personagem; quando aquela se mostra, é recebida como ameaça, e por isso a reação de ataque. É preciso atacar sem trégua porque qualquer reconhecimento do Outro, da diferença, é uma percepção do próprio desaparecimento, do fim da linha. 

Embora possa ser considerado um longa mainstream, se comparado a filmes realizados por Lucia Puenzo, Lucrecia Martel e Pablo Trapero, "Tese sobre um Homicídio" não é apenas um thriller policial e, de quebra, psicológico. É um filme que, mesmo dentro de uma certa perfeição estética (sim, em termos de planos, de jogos de câmera, de fotografia, o filme é impecável) fala, para várias camadas de recepção, de questões metafísicas/filosóficas complexas, como verdade, justiça, culpa, onde vale menos a trama criminal do que o delírio do protagonista resultante do medo do poder social destituído, de uma imagem degradada. 

Em certa medida, há um paralelismo de "Tese..." e o dinamarquês "A Caça" (pra mim, ambos já na lista top 10 ou mesmo 5 de melhores filmes do ano). Se um sujeito - social que seja, uma comunidade, por exemplo, como no caso de "A Caça" - não dá conta de enfrentar seus próprios medos, o próprio inferno, sobra oferecer algum outro em sacrifício. No mínimo, a sensação é a de que pode haver controle sobre as coisas.

A gente se engana tanto, e com tanta eficiência... 

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

o crime compensa...

Da esquerda para a direita, Taissa Farmiga (Sam),  Israel Broussard (Marc), Emma Watson (Nikki),  Katie Chang (Rebecca) e Claire Julien (Chloe).
Ao longo de 10 meses, entre 2009 e 2010, um grupo de adolescentes invadiu e roubou casas de celebridades de Hollywood como Orlando Bloom, Lindsay Lohan, Paris Hilton. Era algo fácil, ao alcance desses jovens de classe média alta, que, como a grande maioria dos adolescentes, têm dificuldades em prever as implicações de seus atos. Capturados e condenados civil e penalmente, a "gangue do deslumbre", assim denominada por uma matéria na Vanity Fair com o título "Os Suspeitos Usam Louboutin", está em cartaz em São Paulo no mais recente filme da diretora norte-americana Sofia Coppola, "The Bling Ring" (2013).

Coppola, ela mesma uma celebridade, pela genealogia, pelas afinidades com o mundo da moda e a cultura pop-indie, tem apreço pela temática. Depois de uma atuação duramente criticada como a filha de Don Corleone em "O Poderoso Chefão 3" (1990), último filme da trilogia dirigida por seu pai, Francis Ford Coppola, Sofia passou a colocar o cinema de lado, e abraçou a moda. Virou designer de sapatos, fez amigos por lá, como Marc Jacobs, com quem trabalhou, e, inevitavelmente, suas conexões afetivas permaneceram num mundo já familiar - os cultivados, cults e bacaninhas. 

Até voltar ao cinema pelo lado de trás das câmeras, como roteirista e diretora. "As Virgens Suicidas" (1999) é sua estreia em longas-metragens, estrelado por Kirsten Dunst, uma das suas atrizes-amigas, com quem também roda "Maria Antonieta" (2006). Coppola carrega para seus filmes toda a bagagem da cultura pop high-class na qual sempre esteve mergulhada, a moda, a preocupação com uma trilha sonora de efeito, personagens "iguais a ela", equipe técnica de amigos, e um certo vazio existencial a mover seus personagens, ora em busca de um sentido novo, ora em busca de um certo escapismo, uma alienação desejada. 

"Bling Ring" é radical nesse último sentido, o da alienação e do escapismo. Seguindo rente à reportagem da Vanity Fair sobre a gangue de Hollywood, Coppola opta por um retrato da história pela perspectiva da ficção jornalística. Há até uma certa "desglamourização" dos personagens e, consequentemente, da narrativa. Com exceção de Marc (Israel Broussard), o único homem - apesar da indefinição sexual - e o menos inconsciente do grupo, as demais garotas encontram-se atoladas até o último fio de cabelo alisado na lama da frivolidade.

Não há sequer um frio na barriga, provavelmente o medo de serem pegos pela polícia, ao entrarem sem serem convidados nas casas de famosos de onde furtavam jóias, relógios, sapatos, vestidos, jaquetas, tudo chanel, bulgari, balenciaga, rolex, lv, balmain, rick owens, herme's e afins. Ao mesmo tempo em que os donos de todos esses objetos fetichizados pela gangue - e por todos nós, em alguma medida ou grau -, são considerados ícones pelo grupo, há uma dose de inveja que justifica suas ações: eles têm tanto, e de tudo, que não irão dar por falta; já nós, não; nós precisamos ser legitimados como personalidades "A-list" seja na escola ou na balada. E, para tanto, nada de medir esforços para ostentar uma enxurrada de marcas. 

Num dado momento do filme, Marc, ao ser entrevistado pela repórter da Vanity Fair, compara a gangue a Bonne e Clyde, o casal de foras-da-lei que aterrorizou o Texas no período da Grande Depressão americana (anos 30), e que morreu numa emboscada policial depois de conquistarem as manchetes dos jornais da época. Símbolos da luta desesperada pela fama - Bonnie sonhava ser estrela da Broadway, enquanto Clyde, temido como grande homem do crime -, o personagem de Marc afirma à jornalista que a América parece nutrir um fascínio por esses tipos. Há, porém, uma diferença considerável entre o duo texano e a gangue do deslumbre: o primeiro, numa época de vacas magras, falta de perspectivas, e sonhos a serem alcançados, vivem perigosamente como forma de se libertar, a qualquer preço, de uma situação de mesmice (havia uma consciência dos dois, num dado momento, de que não haveria volta nem perdão); já a gangue das grifes não possui essa rebeldia, nem mesmo a adrenalina; há uma banalidade tão grande em seus delitos, na forma em que os encaram, que, mesmo com todo o risco iminente de serem colocados atrás das grades, uma das meninas só consegue dizer, eu preciso de uma bolsa chanel nova pra hoje. Bora então pegar uma na casa de Paris... 
Warren Beatty e Faye Dunaway, no filme de Arthur Penn, de 1967, sobre a dupla de foras da lei texanos. O filme marca uma reviravolta na indústria cinematográfica americana, na medida que insere cenas de violência e de conteúdo sexual até então negadas como recursos por Hollywood.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

mais de 1.000 brinquedos no salão...

A exposição "mais de mil brinquedos para a criança brasileira" é sucesso. Pela curadoria, pelo projeto expográfico, pelas camadas de fruição que ela permite, por unir de forma tão equilibrada e coerente a arte popular e a conceitual, contemporânea. Estas fotos aqui são uma pequena crônica minha - estreia da câmera nova - de uma das partes mais fascinantes pra mim nessa exibição - a linha de montagem de bonecas, elas sendo admiradas na vitrine e, no correr dos polias, seus desmantelo feito ex-votos, farnese de andrade... corpos dilacerados...

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

ciência, ética e estética...

Um livro que recomendo fortemente àqueles interessados em se aprofundar em fotografia, para aqueles que apreciam e sobretudo tiram, fazem e analisam fotografia, mesmo que por hobby ou paixão, é "Filosofia da Caixa Preta" de Vilém Flusser. Editado pela Annablume e curtinho - pouco mais de 100 páginas - "Filosofia..." tem um texto direto e enxuto. Muito claro nos objetivos pretendidos pelo autor. Traçar conceitos e categorias para uma filosofia da fotografia - e aí vou mais longe, penso que Flusser lança sementes para uma epistemologia da fotografia: história, sociologia, economia da fotografia, como a arte e o fazer fotográfico são influenciados e influenciam a cultura contemporânea. 

Sem notas de rodapé ou citações - algo raríssimo num ensaio teórico - Flusser afilia-se a uma certa corrente bressoniana da fotografia como roubo, caça ou captura. Vai muito mais longe, ao enfatizar a relação essencial entre fotógrafo e câmera fotográfica, como essa relação é determinada pela afinidade e conflito entre quem aperta o botão - uma subjetividade com conceitos na cabeça - e o aparato tecnológico que processa a imagem capturada em formato ampliável e reproduzível. Não se trata aqui apenas de domínio sobre a tecnologia, mas sem dúvida Flusser afirma que o fotógrafo precisa ter essa noção de quais técnicas estão a seu dispor, sob seu domínio, inclusive como prováveis recursos ainda inexplorados e passíveis de resultarem em falhas (o que não obrigatoriamente significa algo ruim ou indesejável). 

Outra consideração relevante: uma foto, apesar de ser apenas um pedaço de papel bi-dimensional, ela, muitas vezes, não cria ou faz sentido sozinha. Isso porque a riqueza de seus elementos estão relacionados a 3 dimensões: à própria realidade, a uma posição política ou comportamento, e a um dever ser da imagem, a uma busca estética. Portanto, Flusser fala sobre obra fotográfica, um conjunto inter-relacionado, tanto mais rico e significativo quanto mais conseguir enlaçar esses 3 aspectos, quantitativa e qualitativamente. 

Entre 1969 e 1988 o fotógrafo Joseph Szabo registrou adolescentes norte-americanos. Em branco e preto, em diferentes texturas, situações, suas fotos poderiam se distribuir em diversas categorias - foto-jornalismo, crônica geracional, crítica cultural, registro de comportamento, proposta estética, enfim, seu conjunto - aqui, apenas destacado em 8 fotografias - transitariam com desembaraço por vários meios como jornais, revistas, livros, ou as paredes de uma galeria de arte. Um exemplo de fotografia em termos flusserianos...