Mostrando postagens com marcador american photography. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador american photography. Mostrar todas as postagens

domingo, 19 de maio de 2013

o mito da caverna...

Vista do Central Park, face norte, nas 4 estações do ano.
A chamada câmara escura de orifício representou os primórdios da câmera fotográfica como a conhecemos na modernidade. Desde a Idade Média, por meio da técnica da câmera escura, foi possível entender aspectos científicos dos fenômenos ópticos, como, por exemplo, a propagação retilínea da luz. E, assim, desenvolver meios de captar e fixar imagens.

Pegue uma caixa ou o cômodo de uma casa, numa versão ampliada, e vede suas paredes com um material opaco e totalmente preto. Deixe apenas um pequeno orifício aberto, em uma das paredes, por onde a luz do exterior irá penetrar. Os raios de luz que iluminam o objeto ou a paisagem no exterior da caixa passam pelo pequeno buraco e projetam na parede oposta a ele uma figura idêntica ao objeto ou a paisagem externa, só que invertida (o fato de a imagem ter forma semelhante ao objeto ou à paisagem e ser invertida evidenciam a propagação retilínea da luz).
Imagens da Ponte do Brooklyn, invertida e não-invertida.
Vistas da Ponte de Manhattan: a utilização de um prisma reverte a inversão da imagem projetada. 
Eis o princípio rudimentar da máquina fotográfica. Se estamos, como observador, dentro da câmera escura, conseguimos ver essa imagem projetada de cabeça para baixo. E se colocamos um papel filme ou fotográfico na região onde essa imagem invertida se forma, é possível, após algumas horas de exposição, captar e registrar essa imagem (voilà o princípio da máquina fotográfica e da fotografia). 
Times Square projetada.
Desde 1991, o fotógrafo naturalizado norte-americano de origem cubana Abelardo Morell vem fazendo experiências com o princípio da câmera escura. Primeiro num quarto de sua casa. Depois, avaliando os resultados bem-sucedidos, ampliou o projeto não apenas para outros locais mas também passou a utilizar um prisma para gerar uma imagem não-invertida, filme colorido, lentes mais poderosas no sentido de tornar as imagens refletidas mais nítidas e brilhantes. 
Visões de Veneza.
No início analógico, levavam-se entre 5 e 10 horas de exposição para que uma imagem se fixasse na película. Com o digital, esse tempo encurtou sobremaneira, o que rendeu agilidade ao processo criativo de Morell. Imagens mais nítidas, mais rapidez e fluência técnica abriram-lhe mais espaço para pensar a composição da parede que iria receber a imagem refletida e qual seria essa imagem, e de que forma ela seria ou não trabalhada, distorcida. Ganhou força e contundência o choque entre exterior e interior, entre a imagem de fora e como ela passava a ser recodificada internamente. 
Catedral de Antuérpia, Bélgica, projetada sobre parede na qual o espelho antigo está encostado.
Boston.
Pátio interno de castelo sobre dormitório coletivo.
Parafraseando o mito da caverna de Platão, cabe a nós, espectadores, termos consciência de quantas realidades distintas podemos criar de uma mesma cena,  de um mesmo objeto. Os registros de câmera escura de Morell tornam, a meu ver, ainda mais instigantes a questão das várias extensões da realidade, na medida em que trabalha o fenômeno óptico em si, diretamente. A brincadeira de sobreposição e de contraste de imagens brinca com nossos olhos, fala diretamente a esse que é o sentido mais básico do ser humano, por intermédio de uma técnica que, teoricamente, seria a cópia fiel do real.  
Vista de Florença - primeira dessa série de fotos - e paisagens da Toscana.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

o olhar do outro...

Série de fotos do projeto "Wait Watchers", de Haley Morris-Cafiero.
Em tempos de renovação e reafirmação de preconceitos, já não basta mais ser mulher, ser negro, ser gay. Ter um corpo fora dos padrões ditados pelo mercado de consumo era o novo preto que faltava no mundo fashion dos julgamentos sociais. "Fora dos padrões" é eufemismo. Sejamos mais diretos. Quando você está dentro de um ônibus e um passageiro entala ao tentar passar pela catraca - motivo: seu porte avantajado -, você desvia o olhar ou não resiste, e encara o constrangimento da cena? 

À fotógrafa norte-america Haley Morris-Cafiero, não foi possível resistir à posição passiva de apenas receber o olhar julgador dos outros por suas medidas XXL. Morris-Cafiero decidiu contra-atacar. Saiu de trás da câmera e colocou-se diante dela, em situações do quotidiano aparentemente banais, como atravessar uma rua, tomar um sorvete, tirar foto como turista ou ir à praia. A única exigência: gente ao redor, para que, por intermédio da colaboração de um outro fotógrafo com câmera em punho, fosse possível registrar o olhar dos outros (ou do Outro psicanalítico, todos os outros em um só) em relação à sua figura "fora dos padrões". 

Já falamos aqui um pouco sobre a questão do autorretrato, e um pouco também sobre performance, suportes em que o artista se insere no objeto da criação artística. Mais intimidade, maior controle dos resultados, além de uma conexão subjetiva mais forte com o espectador, são razões alegadas para essa participação do artista como matéria. Em especial, aqui, o projeto "Wait Watchers" de Morris-Cafiero tem um ingrediente a mais, peculiar. A questão do preconceito e, mais ainda, do registro revelador do olhar dos outros sobre nós. Não à toa vivemos tempos em que já incorporamos uma visão distorcida de nós mesmos, em função da "doença de agradar" a tudo e todos. Impossível, subjetivamente, dar conta disso, sem gerar neuroses ou paranóias, se todos os parâmetros de validação do nosso ego estão fora, num imenso desequilíbrio. Morris-Cafiero que o diga. Outros, porém, já diriam: por que ela não dá uma emagrecida?

segunda-feira, 29 de abril de 2013

a exposição iminente...


Autorretratos do fotógrafo norte-americano Lee Friedlander.
Entrei no museu ainda vazio. Pouca gente circulava por lá. Mesmo assim, a sensação era de abafamento. Caiam imagens sobre minha cabeça, e eu não conseguia fixá-las. Uma ou outra fotografia me atraiam a atenção, mas o conjunto se anulou em mim. Em minha percepção, intransferível. 


Saí do museu. Bebi 2 cervejas com um amigo. Falamos da exposição. Do que estava ao redor, não das fotos. Sensação estranha, porém nada desconfortável. Logo passamos pra outros assuntos, para simplificar a noite.

Já bem distante do museu, em casa, me olhei no espelho, lavei o rosto, e me percebi menos importante. Aquele reflexo, pelo menos. Sorri, pra ver quantas marcas ao redor dos olhos se formavam. Menos rugas no olho direito do que no esquerdo. Fiz mais caretas, massagens faciais, estiquei e soltei a pele da cara várias vezes. Difícil envelhecer, fácil exagerar. Fechei os olhos com força, abri-os de supetão. Nada de mais. Não cabe a mim me ver. Isso é função dos outros. Cabe a mim estar presente. 

quarta-feira, 3 de abril de 2013

beleza americana...






William Eggleston nasceu no Tennessee, e foi criado no Mississippi. No sul profundo norte-americano. Sempre afirmou que, quando criança, sentia não se enquadrar naquele universo. Mas que, mesmo assim, sabia que pertencia a ele, invariavelmente. Muito provavelmente, dessa relação paradoxal de olhar estrangeiro e, ao mesmo tempo, familiar, é que vêm a crítica e a generosidade
 de sua obra fotográfica quando representa o ordinário e o banal da realidade sulista dos Estados Unidos, ao lado da qual convivem a violência e o vazio existencial de algum sonho perdido. 

Se continuamos a percorrer os meandros dessa lógica, pode-se explicar a opção de Eggleston pela impressão por transferência de tinta (dye-transfer print) - ou tampografia, em português - uma técnica de ponta no início da década de 1970, utilizada, sobretudo, para cartazes, placas e objetos de propaganda com uso diverso de cores e contrastes (tipo um grande placar com a logo da Pepsi ou da Coca-Cola). Eggleston transferiu o uso saturado de cores das peças publicitárias para o idioma e a sintaxe de sua fotografia. Pioneiro do uso abusado da cor no suporte fotográfico, inicialmente visto com maus olhos pelos críticos de arte da época, Eggleston também foi um dos primeiros a expor fotos coloridas no MoMA de Nova York, a conferir status artístico à cor na fotografia. 

Olho para as fotos de Eggleston e vejo uma continuidade, um diálogo com a pintura hiperrealista norte-americana. Não apenas no uso das cores, como também nos temas e no enquadramento, o foco no vernacular, em outdoors perdidos na estrada, postos de gasolina, no barato e pequeno da vida, em interiores domésticos quentes e inóspitos, ou em áridas panorâmicas externas. Uma churrasqueira pode ser assustadora. Um quarto de motel e um triciclo infantil, solitários. E as figuras humanas, meio esvaziadas, meio displicentes. Embora sempre cheias de calor.