terça-feira, 25 de junho de 2013
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domingo, 23 de junho de 2013
a geologia do mundo...
Muito jovem ainda, Ballen abraçou a geologia como profissão. Sem uma educação formal, apenas a paixão por mapear geografias desconhecidas, pela possibilidade de viajar e documentar paisagens muito distintas da NYC natal. Aos 20 anos começou sua jornada pelo norte da África, sempre com uma câmera na mão, filme preto e branco, o qual nunca abandonou (uma de suas marcas registradas). Foi descendo até o extremo sul do continente, garimpando solos e imagens, terminando por se instalar onde já não podia mais seguir. Desde então, fixou residência na África do Sul, e hoje vive em Joanesburgo.
São mais de 40 anos de trajetória como fotógrafo. Primeiro, como amador. Depois, como profissional. A passagem, segundo o próprio Ballen, da geologia para a fotografia foi contínua, sem sobressaltos. Afinal, tratava-se de cavar por debaixo da terra para encontrar um mundo existente mas não visível a olho nu. Como sua fotografia, fundadora de um universo entre o real e o imaginário. Nem documentar nem inventar, mas sim dar forma para acomodar a enorme bagunça do mundo, parafraseando Beckett. As imagens escavadas por Ballen são abstrações a reconfigurar a realidade, sem, no entanto, querer organizá-la. Muito pelo contrário. São imagens perturbadoras. Como a geologia, o objetivo é aceitar a tal bagunça, o caos, redimensioná-la sem julgamentos. Por isso a fidelidade ao preto e branco. O claro e o escuro são instrumentos para esse mundo in between, inconsciente. A fotografia de Roger Ballen abraça a confusão do mundo.
(abaixo o clipe dirigido por Ballen para o trio de hip-hop sul-africano Die Antwoord, original da Cidade do Cabo, cujo trabalho baseia-se no Zef, gíria sul-africana para a cultura indie do país que se apropria do mix de influências do tribal, popular, street art e cultura de massa).
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sábado, 22 de junho de 2013
invencionices...
Desenho sobre papel com técnica de pólvora queimada: aves brasileiras retratadas em obra feita por Cai-Gio Qiang aqui no Brasil, especialmente para a tournée dessa exposição. |
Permito-me pular essa dicotomia com o argumento de que ambos, tanto Ai Weiwei quanto Cai Guo-Qiang, são artistas já renomados e incorporados pelo mercado da arte contemporânea. São internacionalmente reconhecidos, exibidos e vendidos. Portanto, denominar um, oposicionista, e o outro, situacionista, funciona muito mais como apelo de marketing do que qualquer outra coisa. Rixas são sempre bem-vindas na feira das vaidades do mundo das artes.
O que distingue a auto-promoção e o caráter proposital e artificialmente crítico da obra de Ai Weiwei - um self-made man da controvérsia - do trabalho de Cai Guo-Qiang é que, este último, vale-se sem pudores das tradições artesanais e artísticas da cultura chinesa - seja o desenho em pólvora queimada, milenar, seja a coleção de gadgets e invenções criadas por centenas de camponeses chineses, coletadas e comissionadas por Cai ao longo dos anos.
A seção dos "robôs-artistas": primeiro, o que remete à experiência criada por Yves Klein e a tinta azul; abaixo, o robô Jackon Pollock. |
Boneco movido por controle remoto: os brinquedos ficaram dispostos no "cofre" do CCBB. Esse, em especial, me lembrou o chucky, brinquedo assassino. Quando se move, é bem freaky... |
Ao efetuarem, cada um a seu modo, essa ponte Ocidente-Oriente, Ai Weiwei e Cai Guo-Qiang estão mais irmanados do que gostaria a imprensa marrom especializada que tanto afã pela polêmica tem. Já falamos da obre de Weiwei aqui no blog. Sobre a obra de Cai - mais especificamente, sobre a exposição que fica até amanhã no CCBB de São Paulo, "Da Vincis do Povo" - gosto do caráter de brinquedo que ela tem. As pipas, populares e tradicionais tanto na China como no Brasil, e as engenhocas e robôs saídas de um gabinete de invencionices e curiosidades. Curiosas e engraçadas, elas também podem ser conceituais, dialogar com a arte contemporânea ocidental, sem perder o tom de ironia e graça, como os robôs artistas que imitam os estilos de autores como Jackson Pollock e Yves Klein. Uma obra de múltiplas vozes. Contemporâneo e bastante chinês.
(ps. todos os registros fotográficos aqui foram feitos por mim e meu iphone...).
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quinta-feira, 20 de junho de 2013
a cavaleira e o assassino do rei...
Até bem pouco tempo me considerava excluído da febre que assola o mundo do entretenimento chamada "Game of Thrones". Até um amigo me fazer o enorme favor de emprestar a primeira temporada da série. Pronto, pego na armadilha da luta intestina do jogo dos tronos, com direito a muito sangue, sexo, intrigas, diálogos afiados, romances intensos, batalhas grandiosas, votos de lealdade, cavaleiros e damas, casas heráldicas, uma direção de arte incrível e um roteiro que lança arcos dramáticos tão bem enovelados que a gente se vê totalmente enredado, num misto de expectativas revertidas e sabor de "quero mais". Uma produção mega, em todos os aspectos (me faz pensar quando as produtoras aqui no Brasil, junto às TVs a cabo, chegarão a esse padrão de qualidade dramática e técnica; na minha cabeça, ainda um sonho distante).
Para encurtar a conversa, já estou na metade da 3a. temporada. Em menos de 2 semanas, comi, bebi, dormi e acordei "Game of Thrones". Deixei livros de lado. Até de sair à noite. Pela intensidade do apaixonamento, poderia criar um blog exclusivo para comentar a série. Prefiro, porém, confessar que me rendi ao feitiço e, depois, atiçar a vontade dos ainda não iniciados a aderir ao vício.
Mais: prefiro falar de uma das minhas personagens preferidas (são várias, muito difícil escolher uma só). Chama-se Brienne of Thar, uma cavaleira de jeito masculino, enorme, alta, extremamente corajosa e leal a suas causas. Uma exímia guerreira e também mais uma outcast daquele mundo (uma mulher-homem?). Essa personagem andrógina, já presente no livro "A Song of Ice and Fire" no qual a série é baseada, é interpretada pela inglesa Gwendoline Christie, 1 metro e 91 centímetros, uma valquíria loura perfeita para o papel (só não é mais perfeita porque, no livro, a personagem é descrita como feia e de corpo desengonçado).
Tirando as especificidades do physique du rôle, a interpretação de Gwendoline para Brienne de Thar é cativante. A atriz é muito bem-sucedida em dar tonalidade a uma cavaleira errante de grande força e coragem, cujos votos de lealdade a seus reis e senhores são inequívocos, pétreos. Ao mesmo tempo em que, com a tarefa de escoltar e devolver Ser Jaime Lannister (Nikolaj Coster-Waldau) à corte de King's Landing, ela se vê forçada a conviver com um nobre mimado, incestuoso, sem escrúpulos, aka Kingslayer por ter apunhalado pelas costas o rei ao qual ele devia servir e proteger. Uma cavaleira de ética irrepreensível frente à frente com um nobre sarcástico, vil e arrogante. Todavia, não sem qualidades. Pelo menos ao longo da relação de atração mútua que se desenvolve entre Ser Jaime e Brienne, entre dois mais diferentes, impossível. Uma brecha para a humanização de ambos: a redenção, para Jaime, e o afeto, para Brienne. Uma história de amor cheia de som e fúria, como talvez sejam as verdadeiras histórias de amor. Irracionais, ilógicas, mas de grande sentido místico, inexplicável.
Para encurtar a conversa, já estou na metade da 3a. temporada. Em menos de 2 semanas, comi, bebi, dormi e acordei "Game of Thrones". Deixei livros de lado. Até de sair à noite. Pela intensidade do apaixonamento, poderia criar um blog exclusivo para comentar a série. Prefiro, porém, confessar que me rendi ao feitiço e, depois, atiçar a vontade dos ainda não iniciados a aderir ao vício.
A atriz inglesa Gwendoline Christie, que interpreta a cavaleira andrógina Brienne de Thar: 1, 91m que colaboraram para que o papel fosse dela. |
Tirando as especificidades do physique du rôle, a interpretação de Gwendoline para Brienne de Thar é cativante. A atriz é muito bem-sucedida em dar tonalidade a uma cavaleira errante de grande força e coragem, cujos votos de lealdade a seus reis e senhores são inequívocos, pétreos. Ao mesmo tempo em que, com a tarefa de escoltar e devolver Ser Jaime Lannister (Nikolaj Coster-Waldau) à corte de King's Landing, ela se vê forçada a conviver com um nobre mimado, incestuoso, sem escrúpulos, aka Kingslayer por ter apunhalado pelas costas o rei ao qual ele devia servir e proteger. Uma cavaleira de ética irrepreensível frente à frente com um nobre sarcástico, vil e arrogante. Todavia, não sem qualidades. Pelo menos ao longo da relação de atração mútua que se desenvolve entre Ser Jaime e Brienne, entre dois mais diferentes, impossível. Uma brecha para a humanização de ambos: a redenção, para Jaime, e o afeto, para Brienne. Uma história de amor cheia de som e fúria, como talvez sejam as verdadeiras histórias de amor. Irracionais, ilógicas, mas de grande sentido místico, inexplicável.
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quarta-feira, 19 de junho de 2013
contra a interpretação...
Susan Sontag por Annie Leibovitz |
Sontag cita Oscar Wilde como introdução: "somente as pessoas superficiais não julgam pela aparência. O mistério do mundo está no visível, não no invisível". Para encerrar o texto, ela faz o seguinte chamamento: "em vez de uma hermenêutica, precisamos de uma erótica da arte" (por hermenêutica, de modo geral, entenda-se o ramo da filosofia que estuda a teoria da interpretação).
Ou seja, em vez de seguirmos interpretando, impondo e contrapondo nossas opiniões, que tal abrirmo-nos a uma educação dos sentidos, a uma relação sensorial e afetiva com a arte? Afinal, ela só existe como tal na medida em que toma uma forma. Ela pode até querer se relacionar com um invisível, com o espiritual, mas não vai escapar de uma representação material. E para apurar o olhar para a experiência artística é preciso tempo, atenção, contemplação, um deixar se levar pela divagação. É preciso não querer nada daquela obra, daquela matéria. É preciso ser pacientemente desinteressado. Para permitir que um certo desejo nasça desse encontro. Um encontro sem pré-julgamentos e opiniões conformadas. Um encontro ordinário, carnal, um encontro precário, uma trepada rápida num banheiro público ou uma foda homérica num hotel 5 estrelas. Um encontro arriscado, perigoso e, por isso, erótico.
Paixão, perigo, disponibilidade, distração, desinteresse, paciência, os ingredientes fundamentais da receita libertária de Walter Benjamin para diferenciar uma vivência banal de uma experiência de vida. Sontag retoma essa vertente, afilia-se a ela, ao questionar por que a necessidade de tantas explicações, de tanta interpretação, de tanta opinião formada sobre tudo. Eu tenho minha hipótese: crescemos a valorizar as garantias, segurança e estabilidade. Pagamos um preço. Onde cabe o desejo nessa ordem de valores? Muito pouco espaço para qualquer erótica...
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domingo, 16 de junho de 2013
imagens, apesar de tudo...
Cinegrafista sendo atacado por PM no centro de São Paulo, durante a manifestação a favor do passe livre na última quinta-feira. |
Para o governo e sua polícia, repórteres são alvos privilegiados em casos como esse. Afinal, é por meio de suas imagens e relatos que podemos tomar conhecimento de outros lados de uma história, de acontecimentos. E, de fato, vimos não apenas nas redes sociais mas também nos jornais imagens impressionantes, registros de atos de barbárie e violência ocorridos na última quinta no centro de São Paulo, na praça Roosevelt, na Rua da Consolação, nas imediações da Paulista.
Nesse contexto, quero inserir as ideias do filósofo francês e historiador da arte, Georges Didi-Huberman. Um pensamento que, a meu ver, é altamente poderoso como ferramenta crítica para pensarmos o que vemos no presente, sobre a enxurrada de imagens pelas quais passamos o olho, pelo caráter de registro que a fotografia tem e que, na maioria das vezes, negligenciamos seja como informação, seja como arte e instrumento de reflexão. Graças à técnica fotográfica e seu caráter de reprodução - conceito cunhado por Walter Benjamin para declarar a perda da aura da obra de arte em seu conceito clássico - podemos hoje carregar num pen-drive imagens contrabandeadas de uma passeata em Instambul, de um crime contra os direitos humanos no Irã, ou da situação do trabalho infantil no Paquistão.
Da perspectiva de Didi-Huberman, em vez de representarem um ultraje à condição humana, a impossibilidade de retratar o irretratável, o inimaginável, imagens como as que foram feitas, de forma amadora inclusive, das cenas de violência cometidas pela PM paulista contra manifestantes, não só devem ser reproduzidas e repassadas ao máximo como também preservadas em seu contexto precário - e dinâmico - de registro. Somente por meio das imagens - e dos relatos - é que podemos construir um olhar crítico sobre o que acontece ao nosso redor.
Por defender tal argumento, Huberman enfrentou duras críticas de pesquisadores como Claude Lanzmann, diretor do documentário Shoah, sobre o holocausto, para os quais não há representação possível para atrocidades como as perpetradas durante o período nazista.
É justamente contra tal tabu - o do inimaginável, do impensável - que o filósofo francês se posiciona. Para ele, o pensamento, a escrita e a arte devem resistir ao sentimento de impossibilidade. Mesmo que não alcancem dar conta de representar esse "inimaginável" em seu absurdo, em sua estupidez e desumanidade. O que não se pode é ficar refém dele, refém da alienação histórica, da amnésia política, refém da inconsciência dos fatos. Por isso, deixemos elas virem, surgirem, passarem frente a nossos olhos, as imagens.
Inspirado não apenas em Benjamin mas no historiador da arte Aby Warbung, o pensamento e a arte de Didi-Huberman enxergam as imagens como objetos arqueológicos, como a possibilidade de associações transversais entre passado e presente, a possibilidade de encontrar pontos de convergência entre fatos e temporalidades distintas. Entre o que vemos no presente, o que sobreviveu, mais o que sabemos ter desaparecido.
Se não estamos presentes, se nos negamos a olhar, a ver, se não enfrentamos as imagens com olhos críticos - isto é, treinados e atentos - passamos pelo mundo sem entendê-lo, sem duvidar dele. Sobretudo em suas contradições mais atrozes. Por isso, as imagens, apesar de tudo...
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quinta-feira, 13 de junho de 2013
acesso restrito...
Eu iria postar sobre o novo Museu de Arte do Rio de Janeiro, o MAR, que visitei na terça passada. Belíssimo projeto do escritório Bernardes + Jacobsen que junta um antigo prédio do Brasil Império, na praça Mauá, a um edifício moderno, fortemente influenciado pela arquitetura modernista brasileira: brises verdes translúcidas, pilotis, uma cobertura fluida e curvilínea, parecendo um lençol.
Ouvi e li muita coisa a respeito do super-faturamento em torno da obra que envolve o MAR e toda a reestruturação do pier Mauá, zona portuária do Rio. Sem dúvida, independentemente dos boatos, essas obras são sintomas do predomínio das grandes corporações no mundo das artes. Grandes corporações somadas à descoberta dos políticos brasileiros de que cultura gera visibilidade, sobretudo eleitoral.
Assim como o MAR, temos a Casa Daros, também no Rio. Enorme e maravilhoso casarão em Botafogo, todo restaurado, "bancado" pela coleção suíça de mesmo nome, com ênfase em arte latinoamericana (o bancado foi entre aspas porque, logicamente, também entrou dinheiro público na empreitada).
São espaços de primeiro mundo, incríveis, com restaurantes e cafés e lojinhas de souvenirs muito transadas, bem concebidas, feitas para encantar turistas, da mesma forma que ficamos encantados quando visitamos museus em Londres, Madrid ou Nova York. Abrigam coleções muito representativas, sem dúvida, com exposições também muito bem curadas, como a "Atlas, Suite", de Arno Gisinger e Georges Didi-Huberman (em outro post falo sobre a exibição, que me impressionou muitíssimo bem).
Ao mesmo tempo, o plano de acesso ao MAR, ao acervo, às exibições, diz muito desses projetos. É uma metáfora, ou metonímia, não sei. Temos que tomar um elevador até o terraço - claro, de onde se tem uma vista mega privilegiada e única da baía de Guanabara - e depois ir descendo por escadas de incêndio para visitar as exposições. É um funil, um caminho nada funcional, em que, muito provavelmente, em finais de semana, deva gerar filas homéricas. Acesso difícil, seletivo. Extremamente seletivo, como os 8 reais de entrada. Acesso que contrasta com a fluidez do projeto expográfico concebido por Daniela Thomas e Felipe Tassara para a coleção Bogich - um verdadeiro luxo, uma espiral vazada em que a coleção se desenrola como um pergaminho.
É, eu disse que iria postar, mas acabei mesmo postando sobre o MAR, o novo Museu de Arte do Rio de Janeiro. Ao longo do texto, me dei conta de que a analogia entre o acesso difícil, restrito, ao museu pode se comparar ao tipo de acesso que grande parte - a maior dela - da população brasileira tem em relação aos equipamentos e bens culturais no país. Se você não é um privilegiado, como eu, que pode ir numa terça-feira à tarde, quando o ingresso é gratuito, e o elevador só carregava eu e mais um casal, então sinto dizer que a espera será longa, o acesso, como um congestionamento de trânsito, lento, travado (bom, a não ser que você tenha entre 6 e 14 anos e esteja cursando o ensino fundamental na rede pública da cidade do Rio; as caravanas escolares são muitas, admito; resta saber se serão contínuas assim como qual trabalho pedagógico é realizado com esses alunos-turistas).
Ah, me lembrei de mais uma coisa: que 37 milhões de cidadãos no Brasil não têm como pagar pelo transporte público. Matéria de "O Globo" de hoje. Assim fica mais difícil ainda conhecer o MAR.
PS: Seguem minhas fotos de tele-móvel do lugar (prédio e vista). Inegável, é muito bonito. Desejo 2 coisas em relação ao MAR: que haja, de fato, uma preocupação curatorial com a continuidade da vocação a que se propõe o museu, e não apenas um prédio parcialmente ocupado com exposições de pouca relevância daqui a algum tempo; e, segundo, uma possibilidade de mudança concreta de inclusão cultural em sua proposta e atuação. Eu realmente torço para isso.
Ouvi e li muita coisa a respeito do super-faturamento em torno da obra que envolve o MAR e toda a reestruturação do pier Mauá, zona portuária do Rio. Sem dúvida, independentemente dos boatos, essas obras são sintomas do predomínio das grandes corporações no mundo das artes. Grandes corporações somadas à descoberta dos políticos brasileiros de que cultura gera visibilidade, sobretudo eleitoral.
São espaços de primeiro mundo, incríveis, com restaurantes e cafés e lojinhas de souvenirs muito transadas, bem concebidas, feitas para encantar turistas, da mesma forma que ficamos encantados quando visitamos museus em Londres, Madrid ou Nova York. Abrigam coleções muito representativas, sem dúvida, com exposições também muito bem curadas, como a "Atlas, Suite", de Arno Gisinger e Georges Didi-Huberman (em outro post falo sobre a exibição, que me impressionou muitíssimo bem).
Ao mesmo tempo, o plano de acesso ao MAR, ao acervo, às exibições, diz muito desses projetos. É uma metáfora, ou metonímia, não sei. Temos que tomar um elevador até o terraço - claro, de onde se tem uma vista mega privilegiada e única da baía de Guanabara - e depois ir descendo por escadas de incêndio para visitar as exposições. É um funil, um caminho nada funcional, em que, muito provavelmente, em finais de semana, deva gerar filas homéricas. Acesso difícil, seletivo. Extremamente seletivo, como os 8 reais de entrada. Acesso que contrasta com a fluidez do projeto expográfico concebido por Daniela Thomas e Felipe Tassara para a coleção Bogich - um verdadeiro luxo, uma espiral vazada em que a coleção se desenrola como um pergaminho.
É, eu disse que iria postar, mas acabei mesmo postando sobre o MAR, o novo Museu de Arte do Rio de Janeiro. Ao longo do texto, me dei conta de que a analogia entre o acesso difícil, restrito, ao museu pode se comparar ao tipo de acesso que grande parte - a maior dela - da população brasileira tem em relação aos equipamentos e bens culturais no país. Se você não é um privilegiado, como eu, que pode ir numa terça-feira à tarde, quando o ingresso é gratuito, e o elevador só carregava eu e mais um casal, então sinto dizer que a espera será longa, o acesso, como um congestionamento de trânsito, lento, travado (bom, a não ser que você tenha entre 6 e 14 anos e esteja cursando o ensino fundamental na rede pública da cidade do Rio; as caravanas escolares são muitas, admito; resta saber se serão contínuas assim como qual trabalho pedagógico é realizado com esses alunos-turistas).
Ah, me lembrei de mais uma coisa: que 37 milhões de cidadãos no Brasil não têm como pagar pelo transporte público. Matéria de "O Globo" de hoje. Assim fica mais difícil ainda conhecer o MAR.
PS: Seguem minhas fotos de tele-móvel do lugar (prédio e vista). Inegável, é muito bonito. Desejo 2 coisas em relação ao MAR: que haja, de fato, uma preocupação curatorial com a continuidade da vocação a que se propõe o museu, e não apenas um prédio parcialmente ocupado com exposições de pouca relevância daqui a algum tempo; e, segundo, uma possibilidade de mudança concreta de inclusão cultural em sua proposta e atuação. Eu realmente torço para isso.
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quarta-feira, 5 de junho de 2013
10 ou mais razões para amar David Lynch...
Realizadores cinematográficos cuja obra dialoga com outros suportes e experimentações artísticas como as artes visuais, a música, a video arte, a pintura, a literatura, são aqueles pelos quais tenho mais apreço, mais afeição. Pra citar 2: Luchino Visconti e Stanley Kubrick. Um terceiro, sem dúvida, é David Keith Lynch. Ou David Lynch, simplesmente. Lembro-me do dia em que vi "O Homem Elefante" no cinema, com meu pai. Tinha então 12 anos, e fiquei aterrorizado e, ao mesmo tempo, tocado por aquela história "baseada em fatos reais". De lá para frente, Lynch foi se tornando mais surreal, interessado pela iconografia freak norte-americana, a revisitação do film noir, dos road-movies, narrativas todas que, em menor ou maior grau, carregam elementos estranhos, de epopéia, contos de fadas, de terror, de submundo, uma linguagem particularmente onírica e atmosférica de fazer filmes.
David Lynch tem uma tal ligação com a deformidade que, penso, só um artista tão multi-disciplinar conseguiria dar o status poético que ele concede a essa categoria. Seu sucesso é transformar esse desforme em algo lírico, pertencente a um outro mundo, uma outra dimensão. Incluo também "Uma História Real" (1999) como um filme coerente dentro dessa tradição lynchiana, pois o velhinho que percorre não sei quantos mil quilômetros num cortador de grama para reencontrar seu irmão nos emociona justamente por esse caráter ilógico e realisticamente surreal de uma epopéia, um road-movie "povero", que, ao meu ver, remete a um elemento de unicidade e grandiosidade ao outcasted, outlaw, ao freak, ao marginal e montruoso. Um caráter de enorme beleza.
David Lynch lança, no dia 15 de julho, seu novo álbum chamado "The Big Dream". Nome mais apropriado, impossível. Depois de "Crazy Clown Time", de 2011, o novo LP/CD do diretor norte-americano centra-se no blues. No azul dos sonhos, a ligação é quase imediata. Com uma regravação de "Ballad of Hollis Brown", de Bob Dylan, a participação, nas guitarras, de seu filho Riley, de 21 anos, mais uma faixa bônus com a sueca Lykke Li nos vocais, em "I'm Waiting Here". Esta última seria uma das únicas razões possíveis para eu gostar ainda mais de David Lynch.
David Lynch tem uma tal ligação com a deformidade que, penso, só um artista tão multi-disciplinar conseguiria dar o status poético que ele concede a essa categoria. Seu sucesso é transformar esse desforme em algo lírico, pertencente a um outro mundo, uma outra dimensão. Incluo também "Uma História Real" (1999) como um filme coerente dentro dessa tradição lynchiana, pois o velhinho que percorre não sei quantos mil quilômetros num cortador de grama para reencontrar seu irmão nos emociona justamente por esse caráter ilógico e realisticamente surreal de uma epopéia, um road-movie "povero", que, ao meu ver, remete a um elemento de unicidade e grandiosidade ao outcasted, outlaw, ao freak, ao marginal e montruoso. Um caráter de enorme beleza.
David Lynch lança, no dia 15 de julho, seu novo álbum chamado "The Big Dream". Nome mais apropriado, impossível. Depois de "Crazy Clown Time", de 2011, o novo LP/CD do diretor norte-americano centra-se no blues. No azul dos sonhos, a ligação é quase imediata. Com uma regravação de "Ballad of Hollis Brown", de Bob Dylan, a participação, nas guitarras, de seu filho Riley, de 21 anos, mais uma faixa bônus com a sueca Lykke Li nos vocais, em "I'm Waiting Here". Esta última seria uma das únicas razões possíveis para eu gostar ainda mais de David Lynch.
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segunda-feira, 3 de junho de 2013
o medo da polêmica...
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