Cenas em still de "Depois de Maio" (2012), de Olivier Assayas. |
A fotografia em preto e branco de "Amantes Constantes" (2005), de Philippe Garrel. |
"Os Sonhadores"(2003), de Bernardo Bertolucci. |
"Depois de Maio" (2012), de Olivier Assayas, fecha, na minha cabeça, uma trilogia sobre os idos de maio de 68, sobre a revolução política e de costumes iniciada de dentro da sociedade civil em direção ao estado, e não vice-versa, que, se acabou frustrada em muitos pontos, também abriu caminhos para novos modos de viver e pensar. Dessa trilogia subjetiva, fazem parte ainda "Os Sonhadores" (2003), de Bernardo Bertolucci, e "Amantes Constantes" (2005), de Philippe Garrel.
"Depois de Maio" chega para desempatar. Afina-se muito mais à poética e às reflexões de "Amantes Constantes" do que ao niilismo de "Os Sonhadores". Embora muito mais solar, o filme de Assayas compartilha, junto à obra de Garrel, o engajamento político e estético trazido pelos embates da primavera de 68, assim como aborda os vários desdobramentos a atingir cada um daqueles jovens personagens após aquele maio.
Não considero "Os Sonhadores" um filme ruim. Apenas um filme frio, cerebral, planejado para acontecer de propósito à margem das barricadas de Paris à época dos confrontos entre polícia e estudantes. Os 3 jovens ali ausentes estão mais interessados em brincar de "quem sabe, sabe" da história do cinema. O embate, ali, se dá entre o Velho Mundo decadente e amoral e o Novo Mundo economicamente mais forte porém ainda pudico e moralista (Bertolucci me passa muito a impressão de um diretor soft intelectual, estetizante, tendência que foi se acirrando em sua trajetória).
Numa outra vertente, "Amantes Constantes" e "Depois de Maio" não separam a efervescência política ocorrida naqueles tempos da efervescência artística e de comportamento a ela associada. Afinal de contas, trata-se de um momento recente da história mundial em que foi possível vislumbrar de forma mais ampla o significado e as extensões do termo "política": uma ação coletiva que está relacionada com nosso entorno, a comunidade, o país em que vivemos. Portanto, agir politicamente não significava apenas sair às ruas e protestar, clamar por uma democracia que saísse do papel e fosse mais realista. Significava também questionar velhos comportamentos e padrões sociais. Significava estar mais perto da arte como movimento de mudança, de abertura de percepções e consciências. Significava acreditar na transgressão.
Só que, pela própria definição, a transgressão não se mantém perene. Ela não é permanente. E novos desafios surgiram para aqueles jovens pós-68. Continuar a lutar com que armas? Resistir à acomodação de que maneira? Optar pelo romantismo do personagem de Louis Garrel em "Amantes Constantes" ou pelo pragmatismo de sua namorada/amante que resolve levar seu trabalho como escultora de modo profissional, capitalista?
Foram decisões difíceis de serem tomadas, e nem sempre conscientes, na maioria das vezes. Aqueles jovens sentiram na pele que, apesar da revolução, padrões, sistemas, atitudes, modos de agir e ver o mundo, permaneceriam. Como coexistir a tendência à continuidade com o que havia sido conquistado pela transgressão, esse passou a ser o grande desafio, a grande contradição.
Muito se fala dos poetas e artistas que morrem muito jovens. Há uma aura mítica em torno deles, pois suas transgressões são imortalizadas. Não são obrigados a amadurecer e envelhecer, a repensar suas ações no mundo. Não correm o risco de serem acusados de covardes ou traidores. Talvez seja por isso que admiro tanto esses que sobrevivem, os Resnais da vida, as Louise Bourgeois, os Assayas, Bertolucci e Garrel. Afinal, tentar se equilibrar na corda bamba da transgressão e da continuidade ao longo do tempo, e sendo afetado pelo tempo, isso sim é uma revolução.
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