segunda-feira, 6 de maio de 2013

em maio...

Cenas em still de "Depois de Maio" (2012), de Olivier Assayas.
A fotografia em preto e branco de "Amantes Constantes" (2005), de Philippe Garrel.
"Os Sonhadores"(2003), de Bernardo Bertolucci.
Maio é um mês icônico: mês das noivas, mês de Maria, do Festival de Cannes, do baile de gala do MET (risos), da primavera se consolidando no hemisfério norte, da luz cinematográfica de outono no hemisfério sul, da revolução de 68. Maio é como setembro. Meses análogos, que nos remetem à ideia de renovação, nova estação do ano, fim e começo de ciclos. 

"Depois de Maio" (2012), de Olivier Assayas, fecha, na minha cabeça, uma trilogia sobre os idos de maio de 68, sobre a revolução política e de costumes iniciada de dentro da sociedade civil em direção ao estado, e não vice-versa, que, se acabou frustrada em muitos pontos, também abriu caminhos para novos modos de viver e pensar. Dessa trilogia subjetiva, fazem parte ainda "Os Sonhadores" (2003), de Bernardo Bertolucci, e "Amantes Constantes" (2005), de Philippe Garrel. 

"Depois de Maio" chega para desempatar. Afina-se muito mais à poética e às reflexões de "Amantes Constantes" do que ao niilismo de "Os Sonhadores". Embora muito mais solar, o filme de Assayas compartilha, junto à obra de Garrel, o engajamento político e estético trazido pelos embates da primavera de 68, assim como aborda os vários desdobramentos a atingir cada um daqueles jovens personagens após aquele maio. 

Não considero "Os Sonhadores" um filme ruim. Apenas um filme frio, cerebral, planejado para acontecer de propósito à margem das barricadas de Paris à época dos confrontos entre polícia e estudantes. Os 3 jovens ali ausentes estão mais interessados em brincar de "quem sabe, sabe" da história do cinema. O embate, ali, se dá entre o Velho Mundo decadente e amoral e o Novo Mundo economicamente mais forte porém ainda pudico e moralista (Bertolucci me passa muito a impressão de um diretor soft intelectual, estetizante, tendência que foi se acirrando em sua trajetória). 

Numa outra vertente, "Amantes Constantes" e "Depois de Maio" não separam a efervescência política ocorrida naqueles tempos da efervescência artística e de comportamento a ela associada. Afinal de contas, trata-se de um momento recente da história mundial em que foi possível vislumbrar de forma mais ampla o significado e as extensões do termo "política": uma ação coletiva que está relacionada com nosso entorno, a comunidade, o país em que vivemos. Portanto, agir politicamente não significava apenas sair às ruas e protestar, clamar por uma democracia que saísse do papel e fosse mais realista. Significava também questionar velhos comportamentos e padrões sociais. Significava estar mais perto da arte como movimento de mudança, de abertura de percepções e consciências. Significava acreditar na transgressão. 

Só que, pela própria definição, a transgressão não se mantém perene. Ela não é permanente. E novos desafios surgiram para aqueles jovens pós-68. Continuar a lutar com que armas? Resistir à acomodação de que maneira? Optar pelo romantismo do personagem de Louis Garrel em "Amantes Constantes" ou pelo pragmatismo de sua namorada/amante que resolve levar seu trabalho como escultora de modo profissional, capitalista?

Foram decisões difíceis de serem tomadas, e nem sempre conscientes, na maioria das vezes. Aqueles jovens sentiram na pele que, apesar da revolução, padrões, sistemas, atitudes, modos de agir e ver o mundo, permaneceriam. Como coexistir a tendência à continuidade com o que havia sido conquistado pela transgressão, esse passou a ser o grande desafio, a grande contradição.  

Muito se fala dos poetas e artistas que morrem muito jovens. Há uma aura mítica em torno deles, pois suas transgressões são imortalizadas. Não são obrigados a amadurecer e envelhecer, a repensar suas ações no mundo. Não correm o risco de serem acusados de covardes ou traidores. Talvez seja por isso que admiro tanto esses que sobrevivem, os Resnais da vida, as Louise Bourgeois, os Assayas, Bertolucci e Garrel. Afinal, tentar se equilibrar na corda bamba da transgressão e da continuidade ao longo do tempo, e sendo afetado pelo tempo, isso sim é uma revolução. 

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