Retrato do artista chinês Ai Weiwei, cuja mostra "Interlacing" pode ser vista no MIS de São Paulo até 14 de abril. |
Está em cartaz no Museu
da Imagem e do Som de São Paulo (MIS) a exposição de nome
"Interlacing", organizada como retrospectiva cronológica da obra do
artista multi-mídia chinês, Ai Weiwei, sobretudo no que diz respeito aos seus
trabalhos em fotografia e vídeo (quem for à exibição esperando encontrar os
trabalhos mais recentes de Ai, como esculturas e grandes instalações, pode se
decepcionar; o que veio ao MIS é, de certa forma, uma exposição didática sobre
o artista, calcada na sua trajetória de artista militante).
Porque, do primeiro andar em diante, o que vemos é o Ai Weiwei militante e engajado, depois de seu retorno à China na década de 90. A partir de então, Ai envereda pela multiplicidade de plataformas, além da fotografia, documentários, vídeo e instalações. Ele se torna blogueiro e twitteiro, postando de maneira hemorrágica não apenas fotos mas posts de teor crítico em relação à falta de liberdade de expressão em seu país. Daí, em 2011, a censura sofrida pelo artista a mando do Partido Comunista Chinês.
É interessante lermos no texto da curadoria a relação feita entre o trabalho de Ai e uma certa influência dos ready-mades de Marcel Duschamps. Não vejo essa conexão. Ai estaria muito mais para uma influência de Joseph Beuys do que para a arte conceitual do francês Duschamps. Afinal, Beuys trabalhava com a militância, com o despertar do senso crítico do espectador, com a defesa de utopias. Entretanto, mesmo em relação a Beuys, Ai apresenta muitas diferenças: seu trabalho é normativo, diferente daquele produzido pelo artista alemão; ele denuncia, e ele se vale dessa denuncia para se incluir como personagem. Ai não filtra imagens captadas. Ele as vomita, sem peneira, para o público
Enxergo essa atitude com certa desconfiança. Pois, mais do que um artista cuja obra se fortalece na comunicação com o espectador, Ai Weiwei é um sintoma dos dias hoje. De certo modo, vítima e presa de seus próprios instrumentos. O excesso de informação, o jorro de imagens, a denúncia das grandes catástrofes e da corrupção política na China. Mas, no meio desse lamaçal todo, onde está sua poética? Sua trajetória dentro de determinadas preocupações no diálogo que todo artista tem entre forma e conteúdo?
Muito provavelmente as respostas são as que encontramos na exposição do MIS: a obra de Ai Weiwei é um tipo de orquestração desse grande espetáculo de banalização de imagens e fatos em que nossa era se transformou. Um sintoma de distopia, não uma busca de utopia. Nem de algum tipo de lirismo ou proposta poética dialética. Soma-se a isso, a aura de artista censurado pelo estado chinês, e temos um personagem digno da "sociedade do espetáculo" na concepção do pensador francês Guy Debord. Pois o que Ai Weiwei pretende denunciar é justo aquilo que dá liga e amalgama sua arte, e, de certa forma, a esvazia espiritualmente, rouba sua alma.
De qualquer forma, a exposição vale ser vista. Para que treinemos nosso olhar num mundo repleto de artifícios e artificialismos. Para identificarmos, para cada um de nós, onde ficam as fronteiras.
PS: Fiz questão de não postar mais imagens, porque a obra de Ai Weiwei é calcada no looping de centenas de milhares de imagens. Optei, então, por valorizar o texto escrito, as minhas reflexões (por isso, não deixem de ir ao MIS, para que vocês possam, depois de ver a mostra, opinar, discutir, refutar e, assim, agregar elementos aos pontos de vista aqui expressos).
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