Porém, como a peculiaridade de sua alcunha, a obra de Cy Twombly sofreu muitos entraves e preconceitos para ser digerida. Houve sempre muitas controvérsias ao seu redor, detratores junto a defensores entusiastas. Uns, proclamando que sua obra, entre o desenho e a pintura, mais parecem riscos, borrões e rabiscos possíveis de serem reproduzidos por qualquer criança; outros, na posição contrária, como o filósofo e teórico francês Roland Barthes, enxergam um jogo muito vigoroso de transgressões plásticas e de linguagem na obra de Twombly.
Acabo de ler um texto de Barthes sobre Twombly. De fato, como nos define a filosofia contemporânea, somos indivíduos modernos na medida que não podemos prescindir da linguagem não apenas para nos comunicar mas também para entender o mundo ao nosso redor. Os textos de Barthes trazem esse prazer de sermos modernos, tamanha a riqueza de referências, de composições e associações, de aberturas de leituras e pontos de vista.
Barthes aborda o primitivismo e a precariedade característicos da obra de Twombly; fala dos borrões, dos traços e pinceladas intencionalmente mau feitos; da mistura de repetições, vazios e da escrita em suas composições, o que, de acordo com o pensador francês, nos causa estranhamento porque não nos remete a códigos artísticos enraizados na cultura ocidental, aos quais estamos acostumados, mas sim a um fazer artístico oriental, marcado pelos intervalos, pelo não preenchimento da tela de maneira racionalmente ordenada. Os vazios são propositais, assim como o desleixo e as repetições têm a ver com uma preocupação gestual do artista, para dar a ver ao espectador o processo e os materiais utilizados na obra. De forma análoga, os títulos dos quadros de várias séries de Twombly remetem a figuras da mitologia grega, ao romantismo do século XIX, a escritores e poetas clássicos; todavia, a representação pictórica desses títulos é deliberadamente precária, tosca, lembra o pixo, inscrições rupestres.
Barthes levanta a seguinte questão essencial em relação a essas características do artista norte-americano: mesmo com todas suas idiossincrasias, falhas e julgamentos negativos associados, será que a obra de Twombly, assim como a de muitos outros artistas contemporâneos, não encontram sua força - e daí seu grande legado - nesse chacoalhão que dá ao espectador? Qual a razão de pintar novamente, de forma eminentemente figurativa, o mito de Leda e o cisne, se tantos já o fizeram? Quando um apreciador de uma pintura diz, "eu gostei desse quadro", será que tal juízo de valor não nos fecha para qualquer outro sentimento ou reflexão mais complexos e perturbadores? E mesmo que alguém, diante de um quadro de Twombly, diga que poderia, ele mesmo, reproduzi-lo ou refazê-lo tecnicamente melhor, a que nos serviria essa "cópia" se ela não traria mais consigo os traços que a faziam original em sua aparente incompletitude ou incompetência artística?
Esse tipo de discurso pode ser transposto à pintura abstrata, ao construtivismo, ao action-painting: pegue e faça você mesmo, pode sair melhor, mais bem acabado. Em relação a quê? A fotografia já não nos liberou da obrigatoriedade da figuração? E o papel da arte não é também trazer para o mundo do espectador, elementos, repertório, memória e lembranças que o transformem também num artista em potencial?
Sem o esforço da reflexão, sem a tomada de tempo obrigatória requerida para qualquer forma de apreciação artística, sem Roland Barthes e suas teorias, sem o caráter essencialmente evocativo e primário da obra de Cy Twombly, sem tantas outras coisas passíveis de serem consideradas supérfluas e "castelos nas nuvens", seguramente o mundo ficaria ainda mais pretensioso e vazio.
Fotos feitas em 1994 por Bruce Weber da casa de Cy Twombly na Itália. |
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